A indústria que emprega 12 milhões na UE vai mudar radicalmente em dez anos

2019
01-07-2019

Só na Europa, a indústria automóvel é responsável por 12 milhões de empregos, mais do que nos Estados Unidos (oito milhões) e no Japão (cinco milhões). É um mercado gigantesco, que em Portugal emprega mais de 200 mil pessoas, direta e indiretamente, e representa 6% do PIB nacional. O que se prevê que aconteça nos próximos cinco a 20 anos é uma transformação radical da indústria, que mudará a forma como se fabrica, vende e utiliza os carros. Os veículos passarão a ser elétricos e a estar conectados, com mais atualizações de software do que necessidade de revisão mecânica. As construtoras lidarão com consumidores que querem mais serviços e menos veículos próprios. O mercado tem de se preparar para o inevitável, num processo que terá tanto de disrupção como de angústia. "Dá para prever com grande certeza como será o futuro dentro de 15 anos, mas não de que forma se vai chegar lá", assume Jamie Hamilton, analista da Deloitte UK, focado na indústria automóvel. "Como é que essa transição vai decorrer? É isso que torna este momento entusiasmante." A Deloitte identifica um novo ecossistema de mobilidade que assenta em cinco pilares: veículos, gestão da mobilidade, experiência do cliente, infraestrutura e políticas & regulação. A PwC criou um acrónimo, EASCY, para resumir as cinco tendências que identifica nos carros do futuro – eletrificados, autónomos, partilhados, conectados e atualizados anualmente. A McKinsey antecipa que os lucros globais das construtoras automóveis cresçam quase 50% em 2020, mas as margens virão sobretudo dos mercados emergentes, visto que os desenvolvidos (como Europa e Estados Unidos) estão estagnados. Seja qual for o ângulo através do qual se olhe para a indústria, é inegável que há mudanças significativas em curso e que toda a gente sentirá o impacto: do tipo de empregos às receitas das construtoras, dos serviços de mobilidade disponíveis aos novos perfis dos consumidores. Veículos elétricos A metamorfose do mercado automóvel virá em três fases nos próximo cinco a 20 anos, explica Jamie Hamilton. A primeira é a passagem do motor de combustão para o elétrico, algo que está a ser impulsionado pela pressão dos consumidores e dos reguladores devido às alterações climáticas. O dilema é que as construtoras automóveis continuam a ter de fazer dinheiro enquanto mudam para os veículos elétricos, mas Hamilton acredita que estamos "quase no ponto de inflexão." Prevê que os preços vão descer e que o custo total de propriedade nos primeiros três anos vai equiparar-se aos carros a gasolina. A mudança será acelerada pela inovação. Só na China, há quase 500 novas startups focadas em criar novas marcas de carros elétricos e antecipa-se muita concorrência às incumbentes. "Nos próximos três a quatro anos vamos ver este ponto de inflexão, com as pessoas a aderir aos carros elétricos como standard. E isso terá grandes implicações para a indústria." Um dos efeitos vai fazer-se sentir nos stands e nas oficinas, porque os carros elétricos têm menos componentes e são mais fiáveis, "por isso o mercado pós-venda será significativamente menos lucrativo". A pressão sobre os vendedores de carros gerará outros formatos e as marcas procurarão vender diretamente aos consumidores, incluindo através de retalhistas como a Amazon. "Vamos ver mais compras online, porque o modelo de stand não será lucrativo. Isto vai acontecer nos próximos cinco a dez anos", frisa Hamilton. Carros conectados e partilhados Inteligência artificial, 5G e apps de mobilidade vão levar à segunda onda, a dos carros conectados e partilhados. "Por causa dos custos de produção dos elétricos, os fabricantes estão à procura de mais meios para fazerem dinheiro e os serviços de dados são uma área-chave", indica o analista. O Regulamento Geral de Proteção de Dados pode criar aqui obstáculos, mas há um modelo de monetização dos dados que é possível pôr em prática. A componente de partilha reflete uma mudança de mentalidade: o número de pessoas que fazem exames de condução está a cair e o carro já não é visto como "liberdade e expressão, mas como uma utilidade", explica Hamilton. "Por isso veremos mais partilha de carros, em formatos tipo ZipCar ou Uber." No entanto, "haverá muitos modelos diferentes das cidades para as zonas rurais, porque pode ser lucrativo ter um serviço de partilha de carros em Londres, mas não no campo no norte de Inglaterra ou no interior de Portugal." Isso dará origem a novos modelos e diferentes formatos de posse de veículos, uma fase que acontecerá nos próximos cinco a quinze anos. Carros autónomos Esta é a terceira fase, que levará a um grande decréscimo do número de carros na estrada. "Os carros vão conduzir-se a si próprios, por isso já não será necessário ter dois em casa", elabora o analista. "Pode-se programar o carro para nos levar ao trabalho, depois as crianças à escola e depois tornar-se um táxi." Isso significa mais eficiência e impacto no planeamento urbano, com eliminação do estacionamento – os carros podem regressar sozinhos a casa, recarregar e voltar para nos ir buscar. "Será uma grande diferença para a mobilidade global", prevê Hamilton. "Será menos ter um carro e mais usar um carro." O que acontece às construtoras? Com estas mudanças, "haverá vencedores e perdedores". Nem todos poderão investir milhões em carros autónomos e elétricos, um peso até para as marcas grandes – a Jaguar Land Rover e a BMW acabam de anunciar uma parceria para carros elétricos, a Ford e a Volks- wagen também estão a colaborar e há outras joint ventures. Hamilton sugere que muitos fabricantes irão aderir a um modelo de produção de marca branca, construindo o hardware que depois recebe outra marca. "É uma mudança significativa no modelo de negócio", frisa. Os fabricantes premium, pelo contrário, vão querer investir em tudo e oferecer várias coisas a toda a gente, e outros ainda vão virar-se para as frotas e os serviços de leasing ou táxis. E os transportes públicos? "Os carros autónomos poderão fazer parte da rede", garante Hamilton. O serviço da MaaS Global, que está a lançar um passe de mobilidade a 400 euros em várias cidades europeias para o uso de qualquer meio de transporte disponível (carro partilhado, bicicleta, comboio, táxi…), é um modelo possível. "Vai haver mais segmentação no mercado", acredita o analista, frisando também que será inevitável que as fontes de receitas sofram mudanças. "Se formos para a condução totalmente autónoma, veremos o número de carros vendidos a cair", vaticina. "No entanto, veremos receitas de outras fontes, serviços de mobilidade, serviços de dados. O modelo de negócio vai mudar." Ana Rita Guerra, Los Angeles

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