"Cidades vão ter de funcionar com bairros independentes"

2020
15-07-2020

A pandemia mostrou as falhas do sistema urbano assente na separação física de atividades, diz o urbanista italiano Alessandro Balducci, que defende a lógica do "bairro 15 minutos".

A pandemia veio mostrar que os urbanistas afinal tinham razão quando defendiam cidades com lógica de bairro, assente em serviços de proximidade, sejam mercearias, repartições públicas ou locais de lazer. Hoje, após meses em confinamento no epicentro da crise europeia, em Milão, Alessandro Balducci, não hesita em afirmar que "durante o bloqueio, a estrutura das cidades baseada na separação entre locais de trabalho, áreas residenciais, centros de consumo e espaços públicos mostrou limitações claras". O professor de Planeamento e Políticas Urbanas no Politécnico de Milão defende, por isso, que as cidades evoluam para aquilo a que se poderia chamar de 'bairros 15 minutos'. "Uma via que muitas cidades estão a explorar é a de tornar os bairros urbanos mais independentes, reforçando a oferta de serviços que fiquem a um máximo de 15 a 20 minutos a pé, como escolas, comércio, restaurantes, parques públicos, farmácias, clínicas e serviços públicos essenciais", refere num ensaio publicado no site do EIT (European Institute of Innovation and Technology). Para o urbanista "são intervenções que podem ter o duplo efeito de tornar a cidade mais resiliente em caso de epidemia ou outros eventos que restringem a mobilidade, mas que também podem, em condições normais, incentivar uma urbanidade descentralizada e mais inclusiva, por exemplo, para populações com mobilidade mais difícil." Isto para além dos benefícios ambientais que derivam da redução da circulação automóvel. Mas essa não é uma alteração que ocorra espontaneamente, avisa. "Há que implementar políticas específicas, começando com a elaboração de 'planos de vizinhança com raio de 15 a 20 minutos', feitos com a participação de cidadãos e operadores, fornecer apoio para arrendamentos comerciais na região, descentralizar os serviços essenciais, transformar edifícios desocupados e reabilitar espaços verdes abandonados", exemplificou Alessandro Balducci. O professor acredita que essa é uma decisão benéfica também no longo prazo, pois podemos ter de enfrentar uma segunda vaga de contágios, outros fenómenos pandémicos ou eventos imprevisíveis que exijam restrições à mobilidade. Digital não resolve tudo Por outro lado, e apesar de a pandemia nos ter aberto a porta para o "admirável" mundo novo do teletrabalho (tem de ser dito com alguma ironia), também nos vem mostrar que o universo digital – do comércio eletrónico à prestação de serviços sociais e de saúde por via remota – só compensa parcialmente os efeitos negativos da separação física. Já que tudo está a mudar, o especialista italiano defende que possa haver novas utilizações, não previstas, para edifícios que agora já não têm as mesmas taxas de ocupação e que poderão passar a albergar um mix de serviços. Para evitar os contágios, mas também para combater a crise económica gerada por esta pandemia, o urbanista propõe adaptações temporárias e reversíveis do espaço urbano – agora que está mais disponível – de forma a que atividades económicas e culturais possam ter condições para funcionar, nomeadamente ao ar livre. E aponta o caso dos mercados locais, que podem espalhar-se por espaços e ruas muito maiores para reduzir a multidão, ou dos restaurantes que podem usar mais espaço de esplanada. Mas também de atividades educativas ou de cariz cultural, que têm condições para ser realizadas ao ar livre, sobretudo nos meses mais quentes, como aulas (com altifalantes), cinema, concertos, teatros, etc. "Em Milão, aprendemos há muito a usar espaços de grande escala de uma maneira muito flexível, mesmo em tempos normais, seja na Milan Fashion Week ou no Salone del Mobile. Apenas precisaríamos de ser capazes de estender essas práticas para outros eventos e atividades", conclui Balducci.

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