De skates elétricos a unicórnios: a Startup Lisboa incuba sucesso

2022
12-09-2022

Uma empresa portuguesa é a única no mundo a fazer skates elétricos, outra lançou-se no mercado dos gelados sem açúcar. Em comum têm o facto de terem sido lançadas pela incubadora Startup Lisboa, que numa década ajudou a criar 450 tecnológicas e não só.

Uma antiga fábrica de pão do Estado Novo a ser revitalizada num espaço de sete mil metros quadrados que será de incubação de empresas, no Hub Criativo do Beato, em Lisboa, é onde irão “fermentar” as ideias dos empreendedores que se dirigem à incubadora de empresas Startup Lisboa. Com uma década de existência e 450 start ups lançadas, a Startup Lisboa já ajudou a lançar para o mercado nacional e internacional empresas com ideias tão diferentes como a Hunterboards, de portugueses que desenvolveram o primeiro skate elétrico do mundo, ou a Swee, que no programa From Start to Table, criou gelados sem açúcar que agora são vendidos em várias lojas e supermercados. 

Em dez anos foram criados 4500 postos de trabalho. Sempre a operar numa lógica de sustentabilidade, a Startup Lisboa abraçou o programa Clean Tech que defende tecnologia limpa ou “verde” nas empresas tendo em vista a descarbonização. É também parceira do Portugal Mobi Summit no prémio Start Up do Ano.

Mas o próximo grande desafio da Startup Lisboa é mesmo a criação de uma Fábrica de Unicórnios.  Gil Azevedo, diretor executivo da empresa, gestor com créditos académicos na Columbia e Harvard Business School, fala com entusiasmo dessa “fábrica” que irá ajudar a “escalar” startups com potencial para se transformarem  em empresas que valem mais de mil milhões de dólares. 

Existem sete unicórnios em Portugal, entre as mais conhecidas a Farfetch (moda de luxo) e a de software Outsystems. Mas não é com estas que a Startup Lisboa vai trabalhar mas sim com as que têm potencial para chegar a esse estatuto, com empreendedores e investidores portugueses e estrangeiros. 

“A Startup Lisboa, que existe há 10 anos, tem um papel importante para dinamizar o ecossistema empreendedor na cidade de Lisboa, já ajudou a lançar mais de 450 startups com 400 milhões de euros investidos, mas tem sido um apoio mais dirigido às que estão em early stage, na fase inicial. O que a Fábrica de Unicórnios vem fazer é ter esse papel com as scaleups que são as que já passaram a fase inicial e têm outro tipo de necessidades. Vamos ajudá-las a crescer e a internacionalizarem-se”, explica Gil Azevedo.

O projeto “passa também por ser capaz de atrair startups e scaleups internacionais que usem Lisboa como a base para se expandirem para a Europa e outras geografias”. 

No portófilio de incubadas da Startup Lisboa já há várias em fase de scaleup muito avançadas mas a incubadora apoiará mesmo as que não estejam no seu catálogo porque este é um projeto nacional que ultrapassa fronteiras dessa ordem. E, segundo o diretor executivo, já há uma empresa portuguesa que existe há alguns anos e está quase a atingir esse estatuto: a Defined.AI, que tem na portuguesa Daniela Braga a principal fundadora. “É um Marketplace de ferramentas, modelos e dados de inteligência artificial (AI) que já tem uma escala muito internacional e está quase a tornar-se num unicórnio. Ganhou o nosso prémio João Vasconcelos Empreendedor do Ano logo na primeira edição, em 2019”. Recebeu, aliás, vários outros prémios de empreendedorismo incluindo três da Forbes nos anos de 2019, 2020 e 2021.

O crescimento de um unicórnio tem sempre de passar pela internacionalização mas não é obrigatório que a empresa esteja cotada em bolsa, como explicou Gil Azevedo. “Não é necessário estar cotada. Há uma série de investidores que investem na scaleup e se o valor dessa ronda valorizar a empresa acima dos mil milhões de dólares passa a ser considerado um unicórnio”. No caso da Defined.AI a última ronda de investimentos que foi feita já se cifrou em várias centenas de milhares de dólares e “é expectável que na próxima ronda passe essa barreira”.

A Startup Lisboa conta com um elevado número de ‘business angels’ portugueses ou seja, investidores privados que apostam em oportunidades novas, ou seja, startups ou empresas em ‘early stage’. 

E também “tem vindo a crescer o interesse de investidores internacionais no mercado português de tecnologias quer a nível de ‘business angels’ como também fundos de investimento internacionais que fazem o investimento já em Portugal”. Depois os próprios investidores funcionam em rede, com um principal à cabeça (leading investor) que pode colaborar com vários para criar um conjunto deles que farão uma ronda de investimentos. “Vêm dos Estados Unidos mas também de vários países europeus, temos alemães, ingleses, etc, não há só uma nacionalidade que se destaque. O maior foco deles é a aposta nas empresas de tecnologia”. 

Invenções portuguesas inovadoras

Pela Startup Lisboa passaram várias empresas portuguesas que lançaram produtos inovadores em áreas específicas. Gil Azevedo destaca alguns como o desenvolvido pela ANNEA, uma scaleup sustentável que desenvolveu um software que prevê falhas ou deficiências em máquinas. “O mecanismo permite identificar até 100 dias antes problemas que vão surgir numa determinada máquina. É sustentável em termos de consumos e permite atuar antes de os problemas surgirem o que beneficia a nível industrial e tecnológico”. 

Outra muito interessante, na avaliação do gestor, é a KIT-AR, que usa a realidade aumentada para permitir, por exemplo, aos trabalhadores de uma fábrica verem com precisão tridimensional uma peça ou equipamento com a ajuda de um aparelho com uns óculos especiais e uma câmara. “Imaginemos que temos uma máquina que precisa ser reparada. Com esta tecnologia pode estar alguém remotamente, na Alemanha, por exemplo, a ver a máquina ao mesmo tempo do trabalhador e a dar indicações do género ‘aquele fio tem de ser substituído’”, explica Gil Azevedo que usa um tom de absoluta normalidade para invenções que estão ao nível da ficção científica para o cidadão comum. 

A maioria destes empreendedores “são jovens e formados em Portugal”, sublinha Gil Azevedo.

A Startup Lisboa aposta também em empresas vocacionadas para outros setores com mercado como a restauração e o turismo. Na área da restauração lançou o programa From Start to Table, de aceleração para empresas ligadas ao setor e que inclui como incentivo um prémio no valor de 10.000 euros. 

Os parceiros da Startup Lisboa neste programa são gigantes como a Delta, a Central de Cervejas e o apoio institucional do Turismo de Portugal, entre outros. “O objetivo é identificar e depois capacitar projetos não só nacionais mas também europeus que nas áreas da ‘food tech’ (tecnologia alimentar) como os menus virtuais, por exemplo, ou até de produtos alimentares novos que possam ter alto potencial para o futuro”. No caso dos produtos novos, Gil Azevedo lembrou-se da Swee, que criou gelados saudáveis e vegan, sem açúcar, e que agora já são comercializados numa série de grandes superfícies em todo o país. “Numa das edições, ganharam o prémio na parte de produto com o conceito deste gelado. Ajudámos a criar as capacidades para terem um produto mais desenvolvido”.

A ideia do programa From Start to Table radica também na sustentabilidade. “Foi a de criar um ecossistema forte de empresas ligadas ao setor alimentar porque este tem futuro, está em grande transformação quer em tecnologia e em produto. Se pensarmos em todas as alternativas à carne, do ponto de vista sustentável, há uma transformação grande. Lisboa e Portugal podem ser centros inovadores no desenvolvimento destes produtos e temos a sorte de termos uma série de grandes empresas e grupos deste setor parceiras do programa e que estão a olhar para estas novas formas de inovar. Também trazemos projetos internacionais para cá no âmbito deste pograma, da Holanda e de Espanha, por exemplo”.

Enquanto este programa específico prevê um financiamento através do prémio pecuniário, no caso das outras empresas incubadas pela Startup Lisboa o apoio concedido é noutras frentes. “Fazemos toda a ligação entre as startups e os investidores, os business angels e fundos de investimento. Apoiamo-las a ter um conceito que possa atrair investimento. Temos a incubação física, espaços próprios para as empresas que deles precisam, mas também temos a incubação remota, para startups que não precisam de espaço físico mas continuam a beneficiar de todos os nossos serviços e apoio”. 

A Startup Lisboa apoiou empreendedores de mais de 40 nacionalidades diferentes e de todos os continentes. “Temos muitos projetos tecnológicos vindos do Brasil e agora mais recentemente da Europa de Leste, Ucrânia e Rússia, dado o atual contexto internacional. Algumas start ups já chegam numa fase amadurecida e que querem vir para cá replicar o mesmo conceito para a Europa ocidental através de Portugal”, adianta Gil Azevedo. É, por exemplo, o caso da startup Doppio, da área do gaming, nascida em São Francisco, nos Estados Unidos, e que tem entre os fundadores um brasileiro e um norte-americano. 

Do universo de 450 startups apoiadas “70% continuam a existir e estão em diferentes estágios de crescimento e a grande maioria internacionalizou-se”.

Com a Fábrica de Unicórnios, a Startup Lisboa vai alargar muito mais o leque de apoios que vai conceder e já nas fases posteriores de crescimento. “Estará para muito breve”, adiantou Gil Azevedo, que não arriscou garantir que esta fábrica muito especial arrancará ainda este ano. 

Perfil

O estratega da Startup Lisboa

Gil Azevedo é licenciado em Engenharia e Gestão Industrial pelo Instituto Superior Técnico e completou o MBA na Columbia University em Nova Iorque e um programa executivo sobre estratégia digital na Harvard Business School. Foi até recentemente vice-presidente sénior no Emirates NBD Group nos Emirados Árabes Unidos, onde era responsável pelas áreas de Digital, Marketing, Analytics e Serviço ao Cliente da subsidiária Emirates Islamic Bank, tendo lançado várias inovações no setor financeiro e liderado múltiplos projetos de transformação empresarial ao longo de mais de dez anos. Antes de ingressar no Emirates NBD Group, Gil Azevedo foi consultor na McKinsey & Co, onde dirigiu projetos em diversos sectores na Europa, América do Sul e África. Assume as funções de diretor executivo da Startup Lisboa no ano em que a incubadora assinala dez anos de existência.

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