
As admiráveis tecnologias de um futuro muito próximo

O Fórum Económico Mundial apresentou às elites financeiras do mundo um novo relatório com as novidades que podem transformar a economia a curto prazo. Saúde, agricultura, mobilidade e inteligência artificial são os campeões mais promissores.
O exercício da futurologia é difícil, mas o Fórum Económico Mundial (que realiza os famosos encontros de Davos) publica anualmente um documento que enumera as tecnologias que podem provocar ruturas industriais e económicas nos três ou quatro anos seguintes. Divulgado em Tianjin, na China, no encontro New Champions 2023, onde se reuniu a elite financeira mundial, este relatório tem por objetivo estudar as grandes tendências da quarta revolução industrial.
O Top 10 de 2023 inclui inovações na sustentabilidade ambiental e na descarbonização dos transportes. Segundo os peritos, o que aí vem é sensacional: imagine o leitor que as baterias em breve não serão rígidas, mas dobráveis; a inteligência artificial, por enquanto concentrada em textos e imagens, conseguirá invadir a arquitetura ou a engenharia; os combustíveis de avião vão usar abundantemente desperdícios orgânicos. Há um mundo de inovações à espera de mudar as nossas sociedades. Na saúde e nos computadores preparam-se revoluções.
Em edições anteriores deste relatório foram identificadas mudanças tecnológicas que hoje nos são familiares. A Inteligência Artificial ou as vacinas baseadas em RNA mensageiro foram dois casos evidentes. Este último exemplo surgiu no relatório de 2017 e, durante a pandemia de Covid, permitiu acelerar a vacinação, provavelmente salvando milhões de vidas. As inovações em saúde e nas ciências da vida estão em destaque na lista deste ano, mas algumas das novidades terão aplicações em múltiplos setores, com potencial de aumento da produtividade e de mais crescimento económico.
A proteção do planeta e o combate às alterações climáticas parece ter sido um critério fundamental para os autores. Os sensores individuais em plantas e os novos combustíveis de aviação permitem garantir a segurança alimentar da humanidade e eliminar as emissões de gases com efeito de estufa na aviação, que é um dos setores mais difíceis de descarbonizar.
As baterias flexíveis terão sobretudo aplicações práticas no setor da saúde. Podem dar energia a aparelhos não intrusivos, que as pessoas colocam na sua própria roupa. Estas fontes de energia serão miniaturizadas e podem acionar implantes eletrónicos capazes de interagir com milhões de neurónios. Atrasar a demência e compreender o autismo são duas aplicações
possíveis. Os elétrodos são fáceis de colocar no crânio do paciente, não exigem cirurgia e podem ajudar a resolver condições ligadas ao envelhecimento.
Entre as dez tecnologias do futuro escolhidas este ano pelo Fórum Económico Mundial, os implantes cerebrais serão a mais controversa, ao lado dos desenvolvimentos rápidos da Inteligência Artificial (IA), que está a invadir sucessivos setores da economia. Para já, tudo o que tenha a ver com processamento de texto ou imagem foi virado do avesso. Estas máquinas já conseguem criar narrativas e podem conceber pequenos filmes.
Mobilidade
No que diz respeito ao setor da mobilidade, as maiores mudanças devem ocorrer nos céus. Os combustíveis de aviação sustentáveis (SAF, na sigla inglesa) são a grande aposta da Europa e dos EUA para descarbonizar o setor do transporte aéreo. Os aviões são responsáveis por 2% a 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa e a alternativa é tornar os preços da aviação comercial proibitivos para a classe média, o que teria consequências económicas negativas.
Não há ainda uma perspetiva de viabilidade para os aviões elétricos (as baterias são demasiado pesadas) e a tecnologia a hidrogénio levará pelo menos 20 a 30 anos a entrar no mercado da aviação de forma significativa. Em resumo, nas próximas duas décadas, os SAF serão a melhor solução para reduzir as emissões de carbono sem aumentar as tarifas aéreas de maneira dramática. Em vez de diminuir o tráfego, a indústria pretende introduzir estes combustíveis, mesmo que sejam mais caros. As companhias aéreas precisam de adquirir aviões modernos, capazes de usar os SAF, mas a substituição das frotas será feita ao ritmo habitual do sector.
Os novos combustíveis de aviação usam materiais orgânicos e outros desperdícios. O produto refinado da biomassa é depois misturado em combustíveis tradicionais de aviação. Em todo o mundo será preciso preparar 300 a 400 refinarias para produzir suficiente combustível sustentável.
A indústria de aviação usa apenas 1% destes produtos na mistura global, mas em 2040 deve ser atingido um nível de pelo menos 13%. Nos Estados Unidos já foram aprovados nove SAF que podem ser misturados com derivados de petróleo (querosene) numa base de 50%. Um dos combustíveis usa gordura animal e óleo vegetal. Também já é possível produzir estes combustíveis a partir de dióxido de carbono capturado da atmosfera e hidrogénio verde obtido com energia renovável.
Um avião que use esta combinação de CO2 e hidrogénio verde estará, na prática, a retirar carbono da atmosfera. O problema é sobretudo o preço, mas também a dificuldade em extrair
o CO2. Se estes obstáculos forem superados, a tecnologia poderá literalmente voar: teremos descarbonização da aviação comercial na data desejável de 2050, uso dos desperdícios orgânicos e redução do carbono atmosférico. Na segunda metade do século, o combate às alterações climáticas poderia tomar um rumo muito mais favorável do que está previsto.
Revolução agrícola
Segundo este relatório do Fórum Económico Mundial, o mundo pode estar perto de uma revolução agrícola capaz de alterar a forma como se controlam as próprias plantas. Atualmente, os agricultores recorrem a informação de satélites, testagem dos solos ou a observação no terreno, mas o modelo é lento. Em breve, haverá sensores minúsculos colocados nas próprias folhas, capazes de fazer todo o tipo de medições: humidade, temperatura, nutrientes. Estes componentes são controlados por inteligência artificial e podem recolher enormes quantidades de informação sobre o estado de um determinado campo cultivado. A informação é depois processada.
Em tempo real, o agricultor sabe como estão a crescer as suas plantas ou se há doenças. Em função dos dados recolhidos, poderá fazer ajustamentos de fertilização ou irrigação. Estes sistemas têm potencial para alterar a produtividade agrícola de forma muito acentuada. Além dos sensores instalados em plantas individuais, os agricultores vão usar drones e tratores capazes de recolher informação adicional.
Não há tempo a perder. A organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, FAO, estima que a atual produção agrícola terá de aumentar 70% até à década de 2050. Para evitar novos impactos ambientais, a melhor maneira de atingir a segurança alimentar do planeta será através do aumento da produtividade pelo uso de tecnologias inovadoras. É uma questão de sobrevivência.
Outra característica do mundo contemporâneo é a voragem de informação. A enorme necessidade de armazenamento está na origem da proliferação de centros digitais dedicados a processar e guardar tudo aquilo que nos chega facilmente através do computador ou do telemóvel, sejam mensagens, buscas, conteúdos noticiosos. Este é um negócio em expansão rápida, mas os centros de dados têm um problema, precisam de muita energia e calcula-se que consumam 1% da eletricidade mundial.
Neste setor, estão a ser desenvolvidas inovações que, em conjunto, permitem antecipar na próxima década o centro de dados sustentável em matéria de energia, o que permitirá que continue a expansão económica sem produzir emissões de carbono ou com enormes poupanças de eletricidade. Entre as ideias que estão a ser introduzidas, incluem-se os sistemas de
arrefecimento com uso de líquidos (por exemplo, água) ou a utilização do excesso de calor emitido pelos computadores para aquecer outras instalações.
No futuro, será possível reduzir desperdícios e usar inteligência artificial para melhorar o desempenho energético dos sistemas digitais. Há também melhorias constantes nos chips, conceitos modulares, novas arquiteturas e até uso de metano como combustível capaz de produzir a energia consumida pelos centros de dados, em vez deste gás com efeito de estufa se perder para a atmosfera. O investimento na área é elevado e foram realizadas experiências onde, pelo simples uso de inteligência artificial na gestão da circulação dos dados, se reduziu o consumo de eletricidade em 40%.
O método do Fórum Económico Mundial
O Fórum Económico Mundial foi criado em 1971, tem sede em Genebra, e organiza o influente encontro de Davos. Todos os anos, no inverno, as elites do poder mundial encontram-se naquela estância suíça para alguns dias de discussões muito mediatizadas. Este é mesmo o encontro mais importante de debates internacionais sobre o estado da economia global, a ordem financeira ou a geoestratégia, com participação regular de banqueiros centrais, políticos de topo, empresários, jornalistas, diplomatas e académicos. O fórum, profundamente ligado ao processo de globalização, tem expandido a sua ação e começou a organizar na década anterior um evento anual chamado “Novos Campeões”, que se realiza em diferentes locais. Este ano, o evento foi acolhido pela cidade chinesa de Tianjin.
Luís Naves