Ciclovias solares são o próximo nível da mobilidade verde

2023
13-09-2023

Nos Países Baixos e na Alemanha, as ciclovias fazem parte da paisagem há muito tempo, mas estão a evoluir para outro patamar. E começam também a produzir energia solar. São projetos experimentais, mas já estão a fazer caminho, também a Oriente.

E se as ciclovias que usamos para circular em modo mais ecológico pudessem também produzir energia? É aquilo a que se poderia chamar a cereja no topo do bolo da mobilidade sustentável. E já não é mera ficção. A par da rápida expansão das ciclovias nas cidades europeias, estão também a chegar as ciclovias solares. Depois de alguns projetos-piloto vanguardistas realizados na Holanda e na Polónia, foi agora a vez da Alemanha inovar nesta matéria.

Na cidade de Freiburg, que aposta na sustentabilidade e produz 52MW de energia solar através de painéis fotovolticos, foi inaugurada este ano uma pista muito particular. A ciclovia até ao recinto da feira da cidade, a duas horas de Estugarda, foi coberta com painéis solares transparentes de vidro e alumínio, formando um teto. São mais de 900 painéis de vidro translúcido capazes de gerar cerca de 280MWh de energia solar por ano e, ao mesmo tempo, proteger os ciclistas do sol e da chuva.

A ideia partiu do fundador da startup Solmove, Donald Muller-Judex, quando, anos atrás, procurava locais para instalar painéis solares na região de Allgau, e verificou que todos os telhados com potencial já estavam ocupados. Foi então que percebeu que existiam várias ruas pouco movimentadas e com alta exposição solar. Afinal estamos a falar de um país que tem 1,4 mil milhões de metros quadrados de ciclovias disponíveis para serem usadas com dois propósitos distintos.

A iniciativa, financiada pela cidade de Freiburg através do fundo de proteção climática, demonstra que é possível rentabilizar de forma inteligente as zonas urbanas para gerar energia limpa. A partir desta experiência, desenvolveu-se um modelo aplicado a outras áreas urbanas, tanto em telhados, zonas de circulação e até espaços abertos. Também foi criado um sistema próprio para transportar energia.

Outro projeto de marca alemã foi lançado há mais tempo na cidade de Erftstadt. É uma ciclovia coberta com pastilhas solares, com 90 metros de extensão e aproximadamente 200 m². A ideia é reaproveitar o espaço e as ciclovias já construídas para gerar energia, cobrindo-as com uma espécie de tapete solar e evitando o custo de instalação de novas estruturas. O tapete solar colocado sobre o pavimento é composto por pastilhas feitas de vidro laminado, cada uma medindo 10cm². Estas células solares são interligadas, formando uma espécie de malha flexível, que pode ser instalada até em pisos desnivelados. Dispõem ainda de uma camada de borracha que absorve o som e conecta o tapete com o asfalto. A ciclovia solar alemã tem a particularidade de não necessitar de manutenção para a remoção de neve e gelo, pois tem a capacidade de se “autodescongelar”, usando a eletricidade gerada por ela mesma. Os promotores do projeto experimental esperam avaliar a viabilidade da estrutura num prazo de três anos. E, caso os resultados sejam positivos, pretendem replicar a instalação do tapete solar noutras pistas do país.

Pioneirismo dos Países Baixos

O pioneirismo neste setor coube aos Países Baixos, onde a relação com as bicicletas é umbilical. O país tem mais de 35.000 km de ciclovias para uma rede rodoviária que é de apenas 140.000 km. Por outro lado, aposta numa série de estradas usadas por carros e bicicletas onde as bicicletas têm prioridade. Em várias dessas ruas, encontram-se placas a dizer: “fietsstraat auto te gast”, o que significa que os carros são meros convidados.

O país instalou em 2014 na cidade de Krommenie, a 25 km de Amsterdão, a primeira ciclovia construída com painéis solares do mundo, a SolaRoad. É composta por blocos de um pavimento especial, desenvolvido para absorver a energia solar e transformá-la em eletricidade. Durante os primeiros seis meses de utilização, a pista gerou mais de 3.000 kWh de energia, um resultado que superou as expetativas dos seus promotores. Hoje já se conta uma extensão de 70 km de painéis solares e as autoridades de Brabante setentrional, uma província que faz fronteira com a Bélgica, decidiram apostar num novo traçado. Mas os holandeses levam a energia solar a sério e querem-na nas estradas, nas vias férreas, nos barcos, no mar e até nas catedrais.

Luzes para iluminar e deslumbrar

Se é verdade que a Holanda esteve na dianteira das ciclovias solares, a Polónia foi o primeiro país onde se materializiou a ideia de combinar ciclovias com energia solar. Mas, neste caso, num conceito diferente, com o objetivo de garantir mais segurança aos ciclistas e peões durante a noite. A ciclovia luminosa localizada na cidade de Lidzbark Warminski é abastecida exclusivamente por energia solar e pode manter-se iluminada durante 10 horas seguidas, reduzindo o risco de acidentes no período noturno. O asfalto da pista é coberto por luminóforos, que conseguem captar a energia do sol e emitir uma luz azul que ilumina a via.

O conceito já se estendeu a outros países, sendo que foi na Holanda onde se obteve o resultado mais artístico e espetacular. Em Eindhoven o designer Dan Roosegaard quis aliar o objetivo ambiental ao artístico e inspirou-se na 'Noite Estrelada', do pintor holandês Vicent Van Gogh, para criar um efeito de luz surpreendente que de que os ciclistas podem desfrutar enquanto pedalam durante a noite.

As potencialidades de associar as ciclovias à energia solar são evidentes e a Oriente também estão a ser aproveitadas. Na Coreia do Sul foi criada uma pista especial para bicicletas no meio de uma estrada entre Daejon e Sejong com 32 km de painéis solares. Na China também foi construída uma pista semelhante com um quilómetro de extensão na capital de Shandong, Jinan. Tem a capacidade de produzir 1 Gwh por ano para a rede, o que é suficiente para abastecer energia a 800 casas. O objetivo já assumido pelo governo chinês é conseguir gerar 1300 GW de energia solar até 2050.

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Carla Aguiar

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