
Crescimento forte nos transportes dificulta redução de emissões

Um relatório do Fórum Internacional dos Transportes da OCDE recomenda uma transição energética mais ambiciosa para um setor em forte expansão, que emite 23% do dióxido de carbono com origem em atividades humanas
Nos cenários otimistas, o setor dos transportes poderá ter um aumento na procura de passageiros de 79% até 2050, face aos níveis atuais. A previsão consta de um documento, o Global Outlook, divulgado de dois em dois anos pelo Fórum Internacional dos Transportes (ITF), uma entidade intergovernamental integrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).
Esta podia ser uma excelente notícia para as empresas do setor, mas parece negativa para se atingirem as metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa.
O setor dos transportes emite 23% do dióxido de carbono (CO2) de produção humana e será crucial para atingir o objetivo dos Acordos Climáticos de Paris assinados em 2015. Como os gases com efeito de estufa estão a alterar o clima do planeta, as nações mundiais concordaram em reduzir as suas emissões, para limitar o aumento da temperatura, até ao final do século, a menos de dois graus centígrados, face aos valores pré-industriais.
Há diferentes compromissos. Por exemplo, a UE quer reduzir estes gases em 55% até 2030, na comparação com os níveis de 1990. Os EUA têm uma meta mais ambiciosa, de conseguir neutralidade carbónica em 2050.
Tendo em conta estas circunstâncias, o relatório do ITF recomenda a aceleração das políticas de redução de emissões. É necessário aumentar a competitividade das tecnologias descarbonizadas e tornar sustentáveis os transportes urbanos. Mesmo com mais ambição, o crescimento do setor nas próximas décadas implica que o uso de transporte individual nas cidades (atualmente metade do total) não deva descer abaixo dos 36% em 2050.
Seguindo este relatório, não basta reforçar os transportes públicos e o uso de comboios, é também necessário apostar em módulos flexíveis, que incluem bicicletas, infraestruturas pedonais e partilha de veículos.
As mudanças serão estruturais, com enormes necessidades de investimento. Segundo os cálculos dos autores, pelo menos 1,7% do PIB mundial em cada ano, até 2050. A transição terá amplas oportunidades de novos negócios, com grupos privados a introduzir tecnologias e
porventura a acelerar o processo. As vantagens da descarbonização dos transportes são já evidentes: menos poluição e mais acesso à mobilidade.
Mudança
As pessoas vão circular de outra forma, sobretudo nas cidades. Isso passa por sistemas baseados em transportes públicos, serviços flexíveis que permitam a partilha de veículos, em oposição ao transporte individual, que tenderá a reduzir-se.
O transporte de mercadorias será também diferente, com uso de inteligência artificial e entregas urbanas por bicicleta, a redução da motorização, a aposta nos comboios, o recurso a incentivos de preço. O planeamento deve ser feito a longo prazo, apoiando as soluções mais sustentáveis.
O pico do uso de motores de combustão interna está à vista, escrevem os autores. Estes veículos ainda representam a maioria das vendas, mas muitos países estão a acelerar a transição para carros com emissões de carbono nulas. Em 2035, em todo o mundo, a frota de carros com emissões zero terá pelo menos um quarto do total de máquinas em circulação.
No pior cenário, o pico de motores a combustão deverá ocorrer em 2050 ou num ano próximo daquele, mas se a introdução de veículos limpos for acelerada e as políticas ambientais do transporte forem reforçadas, em meados do século haverá uma proporção de carros com emissão zero na ordem de 80%, dizem os autores.
China e União Europeia lideram a introdução de carros limpos e, em 2022, as vendas de veículos elétricos no mercado chinês já atingiram 22% do total, o que era um objetivo previsto apenas para 2025. Um dos problemas será o carregamento.
A falta de postos de abastecimento pode limitar a frota de veículos elétricos, pelo que se recomenda investimento público que permita reduzir a ansiedade dos utilizadores.
Em 2021, havia dez carros elétricos ou híbridos por cada carregador, ou 2,4 quilowatts de energia disponível por veículo. Existe perigo de se estabelecer um fosso crescente entre o número de veículos em circulação e os equipamentos para os carregar.
Aviação
Descarbonizar a aviação será mais ainda difícil. Os países avançados apostam na introdução de novos combustíveis sustentáveis, mas também pode haver rutura tecnológica. Europeus e americanos apostam na introdução acelerada dos chamados SAF (na sigla inglesa), ou combustíveis de aviação sustentáveis, que por enquanto são apenas uma gota no oceano.
Produzidos a partir de biomassa ou sintetizados de hidrogénio, os SAF entram devagar na equação dos transportes aéreos. São mais caros do que o querosene e ainda não são produzidos em quantidade. Os EUA querem introduzi-los a 100% até 2050; os europeus esperam conseguir a meta de 85% naquele ano.
Os aviões terão de mudar, pois estes combustíveis exigem máquinas modernas, mas os avanços tecnológicos incluem outras promessas. Muitas empresas estão a fazer experiências com aviões elétricos e a hidrogénios (estes mais promissores). No segundo caso, são usadas células de hidrogénio para produzir eletricidade.
Estes aviões poderão estar no mercado a partir de 2030 e impulsionar aeronaves de médio curso (em redor de 150 passageiros e 3000 quilómetros). Os aviões elétricos serão de pequeno porte e alcance, menos de 20 passageiros e algumas centenas de quilómetros.
O Global Outlook é provavelmente conservador nas suas projeções, que apontam para apenas 8% do mercado de médio curso para aviões a hidrogénio em 2050 e 4% do pequeno curso para os elétricos, no mesmo ano.