
Donald Shoup: “Estacionamento gratuito incentiva a circulação de mais carros”

Autor de um livro famoso, The High Cost of Free Parking, (O Custo Elevado do Estacionamento Livre), Donald Shoup explicou nesta entrevista Portugal Mobi Summit que há custos invisíveis quando paramos o nosso automóvel numa rua da cidade.
Para Donald Shoup, professor da Universidade da Califórnia UCLA, há efeitos perversos nas leis que impõem a cada construção um número mínimo de lugares de estacionamento. Numa entrevista conduzida pelos curadores da Mobi Summit, Paulo Tavares e Charles Landry, o académico americano disse que as alterações climáticas estão a acelerar a mudança para um modelo urbano com menos carros, mas continuam a surgir grandes obstáculos nessa transformação.
"Nos Estados Unidos, muitas cidades têm belos edifícios em más condições, mas estes não podem ser reutlizados, por causa da regulação sobre espaços de estacionamento obrigatório", explicou Shoup. Por causa das leis municipais, o planeamento urbano não permite, por exemplo, a reconversão de um edifício velho num restaurante ou numa loja, com tudo o que isso implica de perda de vitalidade das cidades e prejuízos para quem vive em zonas que podiam ser reutilizadas. "Muitos pedidos [de recuperação] recebem sempre a mesma resposta: não tem o estacionamento obrigatório exigido".
Segundo este académico americano, que é também uma das vozes internacionais mais influentes no planeamento urbano, as cidades foram construídas no século anterior com regras que favoreciam mais e mais automóveis. O estacionamento abundante foi sempre uma preocupação das autoridades locais e as populações exigiam que estes lugares fossem gratuitos para o utilizador, apesar de haver elevados custos para a sociedade, por exemplo, infraestruturas ou ineficiência no uso do solo.
Tudo estimulava a utilização do automóvel: "a separação da cidade em três zonas (residencial, comercial, trabalho). Era preciso conduzir entre essas zonas, o que estendia a cidade, com estacionamento amplo em todo o lado. Os automóveis tornaram-se o meio para as pessoas se deslocarem e toda a gente queria ter um. A utopia do estacionamento por todo o lado tornou-se um pesadelo", explicou Shoup.
Os efeitos negativos foram numerosos: congestionamento de trânsito, desigualdades sociais, qualidade do ar, emissões de dióxido de carbono. "Os carros são ótimos, mas usamos em excesso. No estacionamento, quase nunca pagamos. Suponhamos que os preços eram assim na água ou na eletricidade, tudo grátis. Seria um desastre, toda a gente percebia a péssima ideia. E queremos uma quantidade maior, as pessoas não pensam que a cidade deva cobrar mais pelo estacionamento, querem mais lugares gratuitos disponíveis. No entanto, o mundo está a mudar, dou um exemplo: Londres substituiu as regras de estacionamento mínimo obrigatório por limites máximos de parqueamento. A inversão total. Estes novos limites, na sua maioria, previam metade dos anteriores mínimos".
No livro já mencionado, que publicou em 2005 ou em artigos posteriores, o académico americano defendeu uma alternativa ao estacionamento gratuito e as suas ideias começaram a mudar a abordagem dos autarcas e até as leis estaduais na Califórnia. As recomendações do académico incluíam a introdução de preços de mercado para zonas de estacionamento livre, que passavam a ter parquímetros, e o uso desse novo rendimento aplicado em melhorias do bairro onde eram introduzidas as limitações de parqueamento. Shoup foi dos primeiros a propor algo que existe em Lisboa, o direito do residente a estacionar de forma gratuita em zonas com parquímetro no seu bairro.
Outra ideia sua, muito debatida nos EUA, foi a possibilidade de se transformar em dinheiro o estacionamento no local de trabalho. Na América, os trabalhadores vão de carro para o emprego e os empregadores fornecem estacionamento gratuito. Isto era injusto em relação aos que não usavam o carro, sendo igualmente um motivo de congestionamento de trânsito. Dando um valor monetário ao estacionamento, os empregadores podiam optar por fazer um pagamento anual ao funcionário. A introdução de uma lei na Califórnia permitiu reduzir a utilização de automóveis e foi muito popular nas empresas e entre os trabalhadores, que recorreram ao transporte partilhado. "Esta ideia funciona, mesmo quando não há bons transportes públicos", garantiu Donald Shoup, na mesma entrevista.
"Estamos preocupados com o custo da habitação, a poluição do ar, a congestão de trânsito, o aquecimento global. As regras sobre mínimos de estacionamento obrigatório funcionam contra todos estes objetivos", disse o investigador e economista. O mesmo se aplica a qualquer estacionamento grátis, que representa geralmente a maior parte do espaço dos passeios públicos de uma cidade. A introdução de parquímetros a preços de mercado vai incentivar o uso de transportes públicos e reduzir o impacto nas emissões de gases com efeito de estufa. Gera também receitas que podem melhorar a qualidade de vida nos bairros.
"Sempre pensei que os benefícios das políticas que recomendei seriam apenas locais, melhor qualidade do ar, menos congestões de trânsito, mais peões e ciclistas, mas o efeito positivo no problema das alterações climáticas será sentido daqui a 50 anos. Pensei que estas políticas iam acontecer só depois de eu estar morto, mas está a avançar mais depressa, por causa da preocupação dos governos em baixar as emissões" de gases com efeito de estufa, acrescentou.
Segundo Shoup, as medidas que estão a ser introduzidas gradualmente em muitas cidades americanas, de limitação dos lugares de estacionamento, terão impacto na habitação. As regras sobre estacionamento mínimo tornam as casas mais caras em 17%, segundo cálculos feitos na Califórnia, mesmo para quem não tenha automóvel. "A terra que podia ser usada para casas é usada para carros", acrescentou o académico, que citou estudos de outros peritos, segundo os quais o subsídio implícito da manutenção de vastas áreas urbanas de estacionamento gratuito equivale a um valor entre 1% e 3% do PIB americano, ou seja, pode ser idêntico ao orçamento da defesa dos EUA.
Luís Naves
Donald Shoup