
Emergência climática exige uma mobilidade futurista

O número de carros aumentou 20 vezes e o de turistas multiplicou por 50 desde os anos 50. As cidades não aguentam a pressão e a palavra de ordem é redesenhar. Mais faixas para transportes e ciclovias e menos para carros, que vão ter de encolher e tornar-se elétricos. São as conclusões de dois dias de Mobi Summit.
O Planeta reclama mudanças urgentes na forma de produzir, consumir e circular para garantir um futuro mais sustentável. Mais do que descarbonizar e melhorar os transportes, o que está em causa nesta era de emergência climática é também o redesenho da própria cidade, para se recentrar nas pessoas, no ambiente e na qualidade de vida. Esta foi uma ideia que saiu reforçada na Portugal Mobi Summit, que decorreu a 29 e 30 de novembro, na Nova SBE, em Cascais.
Nos últimos cem anos, as cidades cresceram em torno do carro. Agora, o urbanismo é forçado a pensar as metrópoles ao contrário. E parece que as expressões small is beautifull e think global, act local nunca fizeram tanto sentido. Os dados ajudam a explicar porque é necessário reduzir a circulação, o volume e evitar distâncias longas: o número de automóveis cresceu 20 vezes desde 1950. Dos 70 milhões de automóveis em circulação, passámos para mais de 1,5 mil milhões de veículos que congestionam cidades, poluem a atmosfera e ocupam espaço de estacionamento. Foi com este enquadramento revelador que Charles Landry, curador internacional da Mobi Summit, fez a sua intervenção em jeito de viagem por um século de mobilidade baseada no automóvel, que considera “materialmente expansiva, socialmente divisiva e ambientalmentes hostil”.
O autor que popularizou o conceito de “cidade criativa” lembrou ainda que, se nos anos 20 o automóvel era visto como uma espécie de tirano, por causa dos acidentes, que não existiam até então, tudo mudou nas décadas seguintes. Os carros tornaram-se reis e conquistaram cada vez mais espaço – mesmo que estejam parados em 90% do tempo – e precisam de parques de estacionamento. Por outro lado, assinalou Landry, houve outras mudanças, como as crianças terem deixado de ir para a escola a pé e ter surgido a necessidade de fazer muitos quilómetros diariamente.
A nível mais global, outro indicador relevante para a mobilidade é o crescimento do número de turistas em 50 vezes desde 1950 para1,4 mil milhões. E até o que comemos deixou de ser local para ser traduzido em 'comida-quilómetros', indicador que atinge até 50 mil quilómetros, somando-se a distância percorrida por cada produto consumido, por camião, barco ou avião, resumiu Charles Landry. Toda esta evolução da mobilidade das pessoas e das mercadorias deixou uma pegada carbónica alta.
A transição energética dos meios de transporte é, por isso, a solução para evitar o agravamento do aquecimento global. O movimento será mais rápido nos automóveis – que passarão a ser construídos apenas na versão elétrica em 2030 -, ao passo que nos navios e aviões o processo será mais lento e complexo, podendo arrastar-se até 2050. Portugal está a dar cartas nesta matéria com uma tecologia inovadora para reconverter motores a combustão para hidrogénio no setor da navegação, como ficou patente no debate da Mobi Summit dedicado ao setor. E é também na inovação tecnológica que reside a esperança para conseguir fazer a reconversão a tempo de evitarmos o ponto de não retorno em matéria climática. Os melhoramentos ao nível do ecossistema da mobilidade elétrica, que mereceram ampla discussão, permitem ter mais confiança no futuro.
Enquanto aguardamos por novas tecnologias, nas últimas décadas surgiram muitas ideias para repensar a mobilidade urbana, como por exemplo o conceito da 'cidade de 15 minutos', que visa simplificar a vida dos cidadãos, fornecendo todos os serviços nessa proximidade. Para isso será necessária também uma revolução cultural. Cada vez mais faixas de rodagem vão ter de ser dedicadas a transportes públicos, ciclovias e passeios. Porque a mobilidade ativa não é só mais económica e ecológica como também protege a saúde e o bem-estar e é boa para a economia. Estudos nesse sentido foram, de resto, demonstrados na Cimeira de Cascais, segundo os quais, “o carro significa um prejuízo de 38 cêntimos por quilómetro para as cidades, os autocarros 29 cêntimos e a bicicleta um benefício de 68 cêntimos”. Ou seja, “o custo do uso do carro para a sociedade é maior do que vem da receita dos impostos”.
Carla Aguiar
Carla Aguiar