
Entrevista: Hidrogénio vai escrever a nova odisseia marítima

Desenvolver combustíveis menos poluentes para navios é a missão de Jorge Antunes, CEO da TecnoVeritas, que exporta soluções. É um problema climático e de saúde pública que leva o Governo a criar uma zona controlada de emissões em toda a costa.
Baixar a poluição dos transportes marítimos e torná-los mais sustentáveis é uma odisseia complexa, mas imperativa para se atingirem as metas climáticas. Afinal, estes são responsáveis por cerca de 4% das emissões totais de CO2, mas com um peso ainda maior na emissão de nano partículas, altamente nocivas para a saúde.
A nível mundial há navios de alta tecnologia em construção à base de propulsão eólica, a fazer lembrar o tempo mítico das caravelas. Mas em Portugal também há massa cinzenta a trabalhar em soluções com reconhecimento internacional. É o caso de Jorge Antunes, CEO da TecnoVeritas, há vários anos dedicado a desenvolver soluções de combustíveis para navios menos nocivas para o ambiente, e convidado de mais uma entrevista Portugal Mobi Summit.
O engenheiro naval herdou do avô a paixão pelo universo náutico, doutorou-se pela Universidade de New Castle (Reino Unido) e está convencido que a alternativa para a navegação está em soluções híbridas, mas que passem pelo hidrogénio. “O hidrogénio vai ser sem dúvida a solução, mas a par do nuclear”, alertou. O especialista considera que “a energia renovável, só por si, não chega. Vai ser preciso ter reatores nucleares limpos”. A alternativa “é cada pessoa descarbonizar-se, o que não parece que seja o que as pessoas queiram”.
Para Portugal, a vantagem da opção hidrogénio é clara, dada a possibilidade de o produzir em grande quantidade. Segundo Jorge Antunes, em causa está “uma tecnologia prática, a que pode aceder o comum dos mortais, desde que o Estado não se ponha a cobrar taxas e mais taxas”. Mas, na navegação, também acarreta complicações técnicas muito grandes, desde logo o armazenamento. Tem de estar a bordo em quantidade suficiente, mas em condições de segurança. Mas há esperança. Há uns anos, a TecnoVeritas colocou um motor a diesel a trabalhar a hidrogénio e aumentou o seu rendimento em 56%.
A empresa desenvolveu um processo de hidrogenizar o fuel óleo. Por cada mil litros de óleo, 64Kg de hidrogénio. Com o calor que existe a bordo, liberta-se o hidrogénio do óleo, que pode, por sua vez, ser reutilizado várias vezes, explica o engenheiro. E vai receber um navio da gigante Mitsubishi, cujo controlo do motor está a ser desenvolvido em Portugal para ser entregue em meados de 2024. Também há contratos com uma companhia francesa de cruzeiros de luxo e tanto o Amistic Ocean como o Vasco da Gama, do empresário português Mário Ferreira, passaram pela empresa.
O CEO da TecnoVeritas faz ainda questão de desmistificar o fim dos motores diesel: “Os políticos estão muito mal assessorados a estes níveis técnicos, ninguém pode acabar com os motores diesel; se lhe derem um bom combustível ele não polui; o problema é melhorar o combustível”. E esse é justamente um dos objetivos dos laboratórios e das várias parcerias em que a empresa está envolvida a nível internacional. Por isso, Jorge Antunes considera que “ a legislação está a andar à frente da capacidade de resposta tecnológica”.
O engenheiro não se mostra partidário do “ fuel cell”, por ter uma fiabilidade questionável”. Mas já se diz favorável à propulsão eólica, que é uma grande esperança, nomeadamente na Suécia, onde está em desenvolvimento um navio que promete reduzir as emissões entre 10 a 90%. O ponto é que esta reconversão seja sempre feita num mix híbrido de energias, “a não ser que a sociedade abdique da velocidade de entrega de mercadorias e resolva deslocalizar de volta a produção industrial para o Ocidente”, salienta.
Sobre o papel da eletrificação do transporte marítimo, o especialista manifesta algumas reservas: “em alguns casos pode ser uma solução, noutros não”. Os principais contras apontados são o custo e a reciclagem das baterias, bem como a autonomia e a logística de abastecimento. “Os navios pequenos que levam contentores para os Açores precisam de 6 mil KW/h só para a propulsão”, exemplifica. Isto para dizer que as baterias elétricas “só funcionam para percursos muito bem definidos e com postos de abastecimento pré-definidos”, por causa da autonomia.
No caso das novas embarcações da Transtejo, Jorge Antunes está convencido de que “pode não ser uma solução assim tão boa, dada a veolocidade que têm de atingir, que requer mais potência”. Mas admite que pode ser vantajoso para evitar um arranque extemporâneo dos geradores, no arranque que é quando polui mais.
Proteger a costa portuguesa
“Se juntássemos todos os navios do mundo eles formariam a 6ª nação mais poluente em termos de CO2”. É inegavelmente grave, assume Jorge Antunes. Em todo o caso, “no setor da aviação uma só companhia, a Ryanair, estaria no 10º lugar deste ranking”.
O empresário adianta que a organização mundial do setor (IMO) tem vindo a restringir as emissões, não só de co2, mas também de óxido nitroso e outros metais. E é uma questão séria de saúde pública: “Toda a gente sabe quantas pessoas morrem de um acidente nuclear, mas ninguém sabe quantas morrem por respirarem estas nanopartículas que se alojam nos pulmões e podem causar cancro”.
O especialista assume que Portugal tem uma dificuldade nesta área, na medida em que passam diariamente mais de 300 navios pela sua costa, com uma predominância de ventos Nordeste que arrastam emissões para terra e causam doenças pulmonares.
Não por acaso, o Ministério do Mar tomou a iniciativa de propor uma zona de emissões controladas (ECA) em toda a costa, restringindo as emissões de óxido de enxofre, óxido de azoto e outras partículas. Ou seja, os navios podem vir a trabalhar a fuel óleo, mas quando chegam ao Canal da Mancha são obrigados a usar gasóleo, que liberta menos partículas. São ventos de mudança, mas ainda falta contornar algumas tormentas para alcançar a Boa Esperança.
(Saiba tudo sobre o Portugal Mobi Summit em www.portugalms.com)
Carla Aguiar