
Futuro das cidades vai ser em modo ligeiro

Relatório do Fórum Internacional dos Transportes sublinha as múltiplas vantagens das novas formas de mobilidade suave, mas será preciso repensar muitos aspectos da vida urbana.
A mobilidade tem de ser repensada e devem ser introduzidas novas formas de circular, que ocupam menos espaço e permitem melhorar a eficiência das viagens, com poupanças de energia para toda a sociedade. Esta é a conclusão central de um estudo do Fórum Internacional dos Transportes (ITF-OCDE), entidade com 66 países membros que faz parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Segundo este relatório (Towards the Light), os decisores devem mudar de estratégia: em vez das cidades serem pensadas para a circulação de automóveis, elas devem virar-se para a mobilidade ligeira, que abrange vários tipos de veículos elétricos, incluindo bicicletas, trotinetas e ciclomotores de tipo rickshaw, que em Portugal foram popularizados com o nome Tuk-tuk, muito usados em excursões turísticas.
O planeamento precisa de abandonar a ideia de que os veículos de amanhã serão idênticos aos atuais. O modelo urbano futuro implica novo uso do espaço, mas também a integração dos transportes públicos, infraestruturas dedicadas e preocupação com a segurança das formas mais lentas de circular. É preciso uma mudança cultural que leve em consideração fatores que tendem a ser subestimados: o tempo na viagem, a energia gasta, o espaço que ocupam as máquinas utilizadas.
Os números tornam evidente o problema: mais de 63% das viagens nos Estados Unidos têm menos de cinco quilómetros de distância e 27% percorrem menos de 1500 metros. Tudo isto dispensava o uso de automóveis. Do ponto de vista da energia consumida, o sistema de mobilidade é ainda mais irracional, tanto na América como na Europa. Um carro de grandes dimensões de 100 kwh (kilowatts-hora) gasta a mesma energia de 20 veículos com baterias de 5,5 kwh ou de 250 bicicletas de 0,4 kwh. A mesma energia para transportar uma pessoa ou 250.
As cidades contemporâneas precisam cada vez mais de estacionamento. Um carro familiar pode ocupar 40 metros quadrados. Um tuk-tuk precisa de 14 metros quadrados e uma bicicleta pouco mais de três. A transição da mobilidade pesada para a ligeira permitirá economizar áreas preciosas que podem ser utlizadas com outros equipamentos. Segundo o ITF, uma cidade europeia de média dimensão pode economizar 20% do seu espaço ocupado por carros.
No relatório são citados estudos recentes que apontam para enormes benefícios ambientais na introdução em larga escala das formas ligeiras de mobilidade, sobretudo os diferentes tipos de veículo elétrico, da bicicleta ao microcarro. Uma análise alemã, feita no ano passado, concluiu que as máquinas de duas rodas podiam substituir um terço das atuais viagens de automóveis e os microcarros podiam substituir mais de dois terços dos atuais percursos em toda a Alemanha, nomeadamente no transporte de cargas em ambiente urbano.
Levada até aos limites, esta substituição permitiria reduzir em 44% as emissões de dióxido de carbono ligadas aos automóveis, as quais representam 61% das emissões de gases com efeito de estufa de responsabilidade do setor dos transportes. O efeito ambiental seria ainda mais extenso, pois a mobilidade elétrica ligeira implica baterias de menor dimensão, contendo menos matérias-primas. O consumo de energia também seria inferior.
Reorganizar as cidades
A reorganização dos transportes terá de repensar a segurança. Os veículos devem incorporar elementos ainda não existentes de proteção dos passageiros e as regras de utilização precisam igualmente de evoluir. O avanço da mobilidade elétrica ligeira passa pelo investimento em infraestruturas preparadas para o erro humano e a respetiva imprevisibilidade, por regras de trânsito diferentes e também avanços no fabrico destas máquinas. Limites de velocidade, prioridades em função do peso, faixas dedicadas, enfim, as cidades e os seus subúrbios serão muito diferentes no futuro.
O relatório dedica uma parte importante à integração da mobilidade ligeira com os transportes públicos. A ideia é que estas redes mais lentas devem ser desenvolvidas a partir dos terminais servidos por metropolitano ou comboio. A mesma lógica pode ser aplicada nos transportes regionais. O exemplo holandês é uma referência. O público anda de bicicleta entre a casa e a estação, tem locais seguros para guardar a bicicleta e conclui a viagem no transporte público pesado. Ou seja, isto não pode ser uma curiosidade para uso ocasional, mas parte da viagem diária dos cidadãos entre casa e trabalho.
A mudança será complexa e levará tempo a concluir, reconhecem os autores do relatório. Tudo isto precisa de decisões coerentes a deve envolver de forma harmoniosa os governos e as autarquias. A colaboração do público, a sua conveniência e os custos serão elementos fundamentais para conseguir alterar os comportamentos. Pensar de forma parcial ou deixar os sistemas a meio serão os maiores erros potenciais dos decisores. Ao aplicarem medidas com impacto na vida das pessoas, as autoridades terão de pensar nos efeitos sociais e, sobretudo, nos grupos de cidadãos menos privilegiados e com menor influência. Estas alterações terão impactos económicos e mexem com sensibilidades políticas.
Luís Naves
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