
Greenpeace quer baixar preço dos transportes com tarifas climáticas

A ideia é tornar a mobilidade urbana tendencialmente gratuita. Num ranking de 30 países publicado em maio pela Greenpeace, Portugal é o 17º com os preços de transporte mais caros. Lisboa está a meio da tabela, em 15º lugar.
A Greenpeace publicou em maio um estudo sobre mobilidade sustentável nas capitais europeias de 30 países e concluiu que é necessário introduzir um sistema de “bilhetes climáticos” a nível europeu, conceito mais fácil de perceber se traduzirmos por “passe climático”. Para a organização ambientalista, a política de redução de preços não pode ser apenas um objetivo local ou nacional.
O documento (Climate and Public Transport Tickets in Europe) procura avaliar até que ponto está a ser aplicada a redução de preços, visando o uso mais intenso dos transportes públicos. Portugal surge em 17º lugar num ranking de 30 países, portanto com custos para o utilizador ainda elevados. Há medidas, incluindo passes sociais e IVA reduzido, mas não existem redes nacionais. No ranking das capitais, Lisboa surge em 15º lugar, mas a classificação, mais favorável do que a do país, é prejudicada pela ausência de tarifas gratuitas para deficientes, isto segundo os critérios da Greenpeace.
O estudo levanta um problema sério: existe uma crise climática, os transportes coletivos produzem menos gases com efeito de estufa do que os veículos privados, por isso os governos devem tornar os sistemas urbanos mais acessíveis. Vamos imaginar uma tarifa barata ou até gratuita que permita viajar por uma região ou por um país. Pensemos depois no mesmo sistema aplicado em toda a Europa, com preço uniforme ou até nulo. A ideia parece utópica, mas governos e municípios querem reduzir o consumo de energia. Em teoria, o incentivo do preço deverá convencer as pessoas a trocarem o automóvel individual pelo transporte público.
No topo do ranking da Greenpeace estão dois países de pequena dimensão, Luxemburgo e Malta, que tornaram os transportes públicos gratuitos. A capital da Estónia, Talin, cuja experiência pioneira começou em 2013, surge em primeiro lugar na lista de cidades. Nos primeiros vinte anos da independência da Estónia, a população enriqueceu depressa. Em 2011, em apenas duas décadas, o número de carros duplicara, para 456 por mil habitantes, média quase idêntica à da UE. Foi neste contexto que as autoridades lançaram a ideia do transporte público gratuito. A iniciativa foi aprovada em referendo
(75% a favor) onde só votaram 20% dos eleitores. Os turistas continuaram a pagar bilhete, mas os habitantes de Talin tinham apenas de comprar um cartão de acesso. A receita de bilhetes, de 12 milhões de euros, passava a ser financiada por um imposto municipal. Em 2020, este esquema foi alargado a todo o país.
Em 2022, nove anos depois do início da experiência, os estudos apontavam para o relativo fracasso. A especialista em mobilidade, Mari Jussi, citada por Euronewsnext, reconhecia em setembro do ano passado que Talin registou "um aumento da transferência do transporte público para os automóveis". O uso dos transportes públicos aumentou pouco mais de 1%, mas as viagens de automóvel passaram de 42% para 48% do total. O motivo pode ser o contínuo enriquecimento da população e a melhoria demográfica: há numerosas crianças no país e as famílias preferem o automóvel para as transportar.
As autoridades da Estónia concluíram que não basta baixar preços ou tornar o acesso gratuito, há outros elementos na equação. O governo mantém o entusiasmo nestas políticas e está a avançar com iniciativas na área da eficiência energética, procurando reduzir o elevado consumo do setor dos transportes.
Entretanto, há outras experiências. Na Áustria, por exemplo, é possível viajar com o mesmo bilhete em transportes dentro e fora de Viena; em Roma ou Praga, o custo é inferior a um euro por dia; um bilhete nacional de 9 euros permite viajar sem mais custos nos comboios alemães.
O Luxemburgo foi o primeiro país europeu a introduzir o transporte gratuito para todos os utilizadores, incluindo turistas ou estrangeiros, um avanço em relação a Talin. A inovação foi importante para 200 mil pessoas que não têm residência no Grão-Ducado por não poderem pagar as rendas elevadas. Embora trabalhem no Luxemburgo, estes utentes residem na Bélgica, França ou Alemanha. Trata-se de quase metade da força de trabalho. Introduzido em março de 2020, o sistema gratuito teve um custo de 41 milhões de euros (a verba que se perdeu dos bilhetes), para um sistema que exige 500 milhões por ano de custos públicos. O dinheiro em falta virá dos impostos e essa é a questão colocada pelos críticos da dispendiosa medida: quem não utiliza também paga.
O Luxemburgo é o país europeu mais rico e com mais carros por mil habitantes (696), muito mais do que Portugal (515). A política de transportes públicos gratuitos visou inicialmente reduzir os constantes engarrafamentos, mas a pandemia alterou os padrões da circulação e é prematuro avaliar os resultados. Muita gente ainda recorre ao trabalho remoto, embora haja sinais de que a utilização dos elétricos rápidos aumentou.
Por outro lado, o governo luxemburguês não quer criar demasiados obstáculos aos motoristas privados. O movimento francês dos coletes amarelos, em 2018, protesto
provocado por um imposto sobre combustíveis, está na memória dos políticos. O carro continuará a ser o meio de deslocação da maioria.
Movimento imparável
Nos países europeus cresce um movimento político para estimular o transporte coletivo. As medidas são populares, baseiam-se em argumentos fortes sobre as vantagens económicas e sociais, mas também existe amplo espectro partidário de apoio, à direita e à esquerda. É sobretudo uma estratégia que permitirá atingir mais depressa os objetivos climáticos da Europa.
Segundo o Eurostat, em 2019 a despesa com transportes era o segundo maior custo das famílias europeias, 13,2% do total (13,4% em Portugal), logo atrás da habitação, que consumia 24% dos orçamentos familiares. Os valores envolvidos eram imensos: 7,2% do PIB europeu ou o equivalente a 2200 euros anuais por habitante. Com o recente aumento do custo da energia, muitos países e cidades estão a tentar reduzir a fatura, reforçando a componente subsidiada dos seus sistemas de transportes públicos urbanos. A maior dificuldade está em convencer as pessoas a mudarem do carro individual para o transporte público. O outro problema é transferir as verbas dos bilhetes para impostos.
O setor dos transportes é responsável por um quarto das emissões de gases com efeito de estufa na Europa, sendo o utilizador de 70% do petróleo consumido na UE. Os ambientalistas calculam que se 5% das viagens de automóvel forem transferidas para transportes públicos, haverá uma poupança de 7,9 milhões de toneladas de petróleo, com tudo o que isso implica de menos importações de combustíveis e redução de emissões. A eletrificação do parque automóvel pode suavizar estes números, mas não altera o essencial: os europeus recorrem demasiado aos seus carros individuais.
A voz popular
O que querem os eleitores? Transportes seguros, mais baratos e de melhor qualidade. As pessoas exigem também menos poluição nas suas cidades. Estes resultados surgem na generalidade das sondagens, mas o automóvel continua a ser o rei dos transportes. Quando respondiam à pergunta sobre o que os levaria a usar mais vezes o transporte público, os inquiridos de um Eurobarómetro de 2014 referiam a frequência (27%), melhor cobertura (26%) e preços mais baixos (25%).
Em 2019, antes da pandemia, o carro era usado por 62% dos europeus nas suas deslocações diárias (Portugal tinha o mesmo valor). O transporte público urbano era preferido por 31% dos portugueses, contra 27% dos europeus. Questionados sobre a sua
preferência pelo automóvel, os inquiridos citavam a falta de alternativa (34%). Quando surgia a questão da eventual mudança para um meio de transporte mais amigo do ambiente, davam a maior importância ao preço: 59% dos portugueses e 55% da média no conjunto da UE. Em resumo, o uso do carro é mais frequente porque este meio de transporte continua a ser prático e rápido, mas os consumidores são sensíveis ao preço.
O aumento do custo de energia pode ser decisivo. No futuro, mais serviços públicos serão tendencialmente gratuitos e o transporte estará entre os eleitos. Bibliotecas, centros de saúde, escolas são exemplos de sistemas onde faz sentido pagar uma única vez, para obter acesso, sendo depois tudo gratuito. Estes sistemas são utilizados de maneira repetitiva com o mesmo custo inicial para o utente. Assim será com os transportes, financiados sobretudo por impostos. O menor consumo de energia e os benefícios ambientais devem comandar a mudança de hábitos.
Luís Naves