Impor mais restrições para idosos ao volante ainda não é pacífico

2023
28-07-2023

A União Europeia quer uniformizar as regras para cartas de condução e acredita que as limitações para os mais velhos podem reduzir a elevada mortalidade rodoviária, apesar de Portugal já ter essas regras e ser um dos países com estradas mais inseguras.

Uma proposta da Comissão Europeia para uniformizar as regras sobre cartas de condução está a debater-se com a oposição da Alemanha e da Áustria, devido à obrigatoriedade de maiores de 70 anos renovarem a sua carta em cada cinco anos. Bruxelas quer reduzir a mortalidade nas estradas e pretende restringir os direitos dos condutores idosos, mas a resistência de alguns países pode atrasar uma reforma ambiciosa que inclui outros elementos. Portugal não seria afetado, pois as regras propostas já existem para os condutores portugueses maiores de 60 anos.

Outro elemento que está a atrasar a nova legislação é a eventualidade da introdução a nível europeu de testes médicos acima dos 70 anos. Os governos mais liberais dizem que será um entrave à mobilidade dos idosos, mas os Estados-membros onde esta é uma prática comum não querem reduzir as suas exigências. Em diversos países, a capacidade de conduzir é deixada ao critério do próprio condutor, mas Bruxelas quer reduzir o número de fatalidades nas estradas para zero, até 2050, e as estatísticas sugerem que os condutores mais idosos têm maior proporção de mortalidade em acidentes.

As discussões prometem enfraquecer a proposta europeia de uniformizar e modernizar as cartas de condução, mas o pacote legislativo deverá estar aprovado até ao final do ano, sob presidência espanhola. A carta de condução europeia será digital e muito mais fácil de renovar, as penalizações impostas num país serão válidas nos restantes e haverá regras mais duras para álcool, ultrapassagens perigosas e condução irresponsável.

Perigos
A questão dos idosos parece ser a mais complicada. Os peritos da União Europeia estão convencidos de que existe uma relação direta entre a idade dos condutores e o risco de acidente. Há estudos citados na documentação da UE, nomeadamente informação holandesa da década passada, segundo a qual as taxas de mortalidade são elevadíssimas para maiores de 75 anos, em comparação com outros grupos etários.

Avaliados num indicador de mil milhões de quilómetros viajados, por grupo etário, entre 2011 e 1014, os holandeses calculam que os maiores de 75 anos correm risco de morte dez vezes superior à faixa etária entre os 30 e 49 anos.

Os idosos correm sério risco se conduzirem um automóvel, mas estão em perigo ainda maior se andarem de bicicleta ou atravessarem uma estrada. Segundo o mesmo estudo holandês, a taxa de mortalidade para um ciclista com mais de 75 anos é 28 vezes maior do que para ciclistas entre os 30 e 49 anos. A diferença na mortalidade por atropelamento é da mesma ordem de grandeza. Depois, há estudos contra a corrente. Por exemplo, está demonstrado que idosos tendem a conduzir veículos menos seguros. Por outro lado, também se provou que tendem a conduzir com cuidado, arriscam menos e andam mais devagar na estrada.

Limitar a liberdade de forma administrativa pode ser difícil e os números existentes sobre fatalidade rodoviária não apoiam de forma clara as restrições para a faixa etária entre 60 e 75 anos, grupo penalizado em Portugal. Não estão previstos testes, mas a renovação da carta é obrigatória de cinco em cinco anos, com o intervalo a reduzir-se para dois anos a partir dos 70. Estas renovações têm de ser acompanhadas de atestado médico.

Cauda da Europa
Embora tenha fortes restrições para idosos, Portugal continua na cauda da Europa em segurança rodoviária. A União Europeia publicou em fevereiro estatísticas preliminares sobre o número de mortos nas estradas europeias em 2022 e o País ficou muito mal na fotografia. No indicador de número de mortos por milhão de habitantes, registou 63 em 2022, contra 46 de média na UE.

Só há três países com números superiores (Roménia, Bulgária e Croácia), sendo os romenos os recordistas, com 86 mortos por milhão de habitantes. Na vizinha Espanha, houve 36 fatalidades por milhão. Ainda perigoso, mas como explicar uma diferença que, no caso português, custou 270 vidas em 2022?

No ano passado, morreram um pouco mais de 20 mil pessoas nas estradas europeias, menos 10% do que em 2019. Portugal conseguiu reduzir apenas em 5% o número de fatalidades, ou seja, teve uma evolução pior do que a média. Vendo melhor os dados, verifica-se que a Polónia estava em posição bem atrás da portuguesa em 2019, mas as autoridades polacas conseguiram reduzir em um terço as fatalidades nas suas estradas e, em 2022, a Polónia teve 51 mortos por milhão, o que representou uma "poupança" de mil vidas, só no ano passado.

O mesmo aconteceu com a Lituânia, o que leva a uma pergunta simples: o que fizeram estes dois países para reduzir a mortalidade rodoviária em um terço, em apenas quatro anos, quando Portugal só conseguiu 5% de redução?

Na Lituânia, as sanções para excesso de velocidade são duras e a venda de álcool foi proibida em estações de serviço. Os condutores com menos de dois anos de experiência não podem beber álcool antes de pegarem num volante. As autoridades lituanas também intervieram em milhares de cruzamentos perigosos e apostaram em corredores para bicicletas. Houve fortes campanhas para melhorar o civismo na condução.

Os dados da UE mostram que as fatalidades ocorreram sobretudo em estradas rurais (52%) e apenas 9% em autoestradas. Três em cada quatro mortos eram do sexo masculino e 19% (quase um quinto) ciclistas. O crescimento do uso de bicicletas e a preocupação em melhorar a mobilidades das cidades talvez explique um crescimento de 30%, em França, no número de ciclistas mortos, na comparação com 2019.

Luís Naves

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