“Incentivos à compra de elétricos ainda são necessários para atingir as metas climáticas” 

2023
10-07-2023

Lisboa, EDP e ACAP chumbaram a intenção do governo acabar com subsídios à eletrificação automóvel no segundo debate PMS2023. A diretora municipal para a Mobilidade anunciou apoios nesta área para residentes, em 2024.

O 'boom' da mobilidade elétrica veio para ficar. Todos os anos, todos os meses, as vendas destes veículos batem novos recordes. De janeiro a maio, os elétricos vendidos em Portugal subiram 127% face ao período homólogo, valendo já quase 16% do mercado, quando há seis anos só representavam 1%. E, pela primeira vez, superam os carros a gasóleo, com 14 mil unidades transacionadas.

Que desafios é que esta nova dinâmica traz às cidades,  infraestruturas de carregamento e ao setor automóvel? Este foi o mote da segunda sessão Portugal Mobi Summit, em que participaram a diretora para a Mobilidade da Câmara Municipal de Lisboa, Ana Raimundo, o administrador da EDP Comercial, Carlos Moreira e o secretário-geral da ACAP, Hélder Pedro, com a moderação do curador do PMS, Paulo Tavares.

A expansão sustentada deste mercado em Portugal tem sido o argumento usado pelo Governo para sustentar o fim dos incentivos à compra de carros elétricos no próximo ano. Mas são muitas as vozes que se levantam contra essa opção, a começar pelos três convidados do debate realizado esta semana.

No caso da autarquia lisboeta, a diretora municipal Ana Raimundo considera que “ainda é cedo para abandonar os incentivos”, para que o país como um todo possa atingir as metas de descarbonização dos transportes e, muito em particular, a capital, que assumiu o compromisso da neutralidade carbónica até 2030. Por isso mesmo, o executivo camarário tem planos nesta matéria. Ana Raimundo anunciou que Lisboa não descarta a possibilidade de apoiar já no próximo ano a compra de veículos elétricos, bicicletas e não só, nas zonas de emissões reduzidas. “Estamos a trabalhar nisso para 2024”, disse a autarca, ao mesmo tempo que assumiu que o programa de incentivos às bicicletas se encontra suspenso.

Na mesma linha, o secretário-geral da ACAP (Associação do Comércio Automóvel de Portugal) considerou que, embora este mercado tenha bons indicadores de crescimento, ainda há um longo caminho a percorrer. Hélder Pedro lembrou que, ao contrário dos países nórdicos, em Portugal só cerca de 2% do parque automóvel é electrificado. Por isso, sustenta que “manter os incentivos à aquisição é importante para aumentar a adesão sobretudo no segmento dos particulares”, para que também a classe média possa optar por uma mobilidade mais sustentável.

Os apoios este ano vão chegar apenas a cerca de 1350 particulares, disse. E aponta o exemplo muito recente do governo espanhol, que “aumentou o incentivo para 7 mil euros por veículo, que não precisa de ser novo, podendo ter até 1 ano, havendo também uma bonificação em sede de IRS para as pessoas singulares”. A ACAP propôs aliás ao governo que os incentivos se estendessem aos veículos de mercadorias.

Também o administrador da EDP Comercial, Carlos Moreira , considera que acabar com os subsídios à aquisição “pode ser prematuro”, lembrando que “a atual quota de mercado de 16% de elétricos e de 25% de híbridos plug-in não seria possível” sem eles. Carlos Moreira aponta ainda o facto de 85% das verbas do fundo ambiental estarem a ir diretamente para empresas, e só minoritariamente para particulares. “Temos de ambicionar mais” do que 2% do parque automóvel.  O administrador da EDP com o pelouro das soluções de gestão para clientes acredita, no entanto, que a intenção do governo de atuar no apoio às tarifas de carregamento é positiva, “mas em complemento”, não substituindo o apoio à aquisição.

EDP quer carregamento conveniente e inteligente

Se é verdade que todos os astros (e regulamentos comunitários), indicam a expansão da mobilidade elétrica, ainda há muito por fazer para chegar às massas. Assumindo que os desafios são em várias frentes e prazos, Carlos Moreira aponta a necessidade de “garantir que o carregamento seja quase tão conveniente como o abastecimento de combustível”. Mas essa é uma estrada longa, na medida em que “60% das habitações portuguesas não têm garagem”. Por isso, o esforço no carregamento público vai ter de ser muito mais intenso, disse. A esse propósito, aquele executivo apontou o exemplo dos 4500 pontos de carregamento que a EDP Comercial tem na Iberia e o seu objetivo de chegar aos 7 mil em 2026. 

“Há estudos que apontam para que 80% dos carregamentos vão ser feitos em casa e no trabalho”, o que levanta a necessidade de investir e encontrar soluções nos condomínios, matéria em que a EDP também está empenhada, nomeadamente com as wall box que permitem a cobrança diferenciada.

O outro grande desafio é, para Carlos Moreira, a rede elétrica e a sua capacidade de resposta a uma alteração profunda do mercado automóvel. “O aumento da procura vai sobrecarregar a rede, daí que a solução vai ter de passar obrigatoriamente pelo 'smart charging' (carregamento inteligente), considerou. Trata-se de gerir os horários de carregamento, mas também de colocar as baterias dos veículos a fornecer energia à rede, entre outros aspetos. Sem a segurança da nossa rede não vai ser possível vencer este desafio. “Para se aumentar o reforço de potência tem de se fazer parte do investimento contemplado, mas, ao mesmo tempo, garantir que só se faz o estritamente necessário”. Ou seja, “com o carregamento inteligente consegue-se multiplicar por três o número de carros carregados” com a mesma energia. E também há que desenvolver baterias de escala industrial, defendeu.

Rede pública influencia vendas

No que respeita à infraestrutura de carregamento, a Comissão Europeia definiu recentemente que não poderá haver mais de 70 km de distância entre dois pontos de carregamento, o que obriga necessariamente a um reforço do investimento nesta área, salientou o secretário-geral da ACAP.  “As pessoas precisam de pontos de carregamento público e a rede é crucial na eletrificação”, e para apoiar as decisões de compra dos consumidores, salientou Hélder Pedro. Aquele responsável do setor automóvel lembrou que é preciso ter em conta que “para atingirmos a redução das emissões em 2030 temos de passar de uma quota de 16% nas vendas para 60%”. Por isso, “a infraestrutura vai ter de responder”.

Para que não se discriminem as zonas menos povoadas do Interior, Carlos Moreira defendeu que se justificam incentivos públicos ao investimento: “A transição energética tem de ser justa para todos”. É verdade que já temos mais de 5600 pontos de carregamento público, “mas o desafio que temos à frente é muito maior e exige colaboração entre municípios, empresas e governo”, sublinhou.

Lisboa corre para meta 'net zero'

Do lado da colaboração autárquica, a diretora para a Mobilidade de Lisboa admitiu que “fazia falta um Simplex para a mobilidade elétrica, pois não é fácil resolver o problema do licenciamento” dos pontos de carregamento, uma queixa recorrente dos operadores deste mercado. “Simplificar é fundamental, mas com algumas regras”, disse, chamando a atenção para as difíceis características de uma cidade tão antiga como Lisboa.

Ana Raimundo aludiu à necessidade de conseguir ter os critérios que permitem fazer o ordenamento do território e definir as zonas que são e as que não são indicadas para haver carregadores, porque temos de manter o melhor serviço para os que vivem na cidade”. A capital está a dar passos para um sistema de pré-licenciamento. “Queremos que todas as 29 freguesias tenham pontos de carregamento, tanto nas áreas de comércio e serviços, mas também nas zonas residenciais”, disse.

Ana Raimundo reiterou o empenho de Lisboa em ser uma das 100 cidades a atingir a neutralidade carbónica em 2030, assumindo que para isso “precisamos desesperadamente de ter carregadores o mais rápido possível”. 

Para atingir a descarbonização, a cidade conta ainda com um plano de eletrificação da frota dos autocarros da Carris, mas também com uma aposta na chamada mobilidade suave, com a expansão das bicicletas partilhadas e das vias pedonais. A abordagem estratégica da cidade para o futuro é colocar o foco na mobilidade escolar, chegando aos pais das crianças e encontrar formas mais sustentáveis de transporte para estes circuitos casa-escola-trabalho, disse a diretora municipal.

Carla Aguiar

Artigos relacionados

Marco Galinha: "A mobilidade urbana exige desafios aos políticos, empresas e cidadãos"

Portugal testa comboio movido a hidrogénio

Estocolmo interdita carros a gasolina e a diesel no centro da cidade