
Indústria automóvel acusa Bruxelas de subestimar custo das novas normas

As novas normas ambientais europeias a vigorar a partir de 2025 vão obrigar os construtores a aumentar o preço dos carros com motores a combustão interna. A eletrificação do parque automóvel pode atrasar e os custos são cinco a dez vezes maiores do que o estimado pela comissão europeia.
A Comissão Europeia avaliou por baixo os custos da introdução a partir de 2025 da nova legislação sobre emissões poluentes em motores de combustão interna. Um estudo de Frontier Economics conclui que para os construtores de automóveis haverá um acréscimo médio de 2000 euros no preço de fabrico de um veículo de passageiros, em vez do intervalo de custos adicionais de apenas 180 a 450 euros, segundo a estimativa que consta na proposta de limitação de emissões poluentes conhecida no sector por Euro 7.
Entre o que dizem os peritos da indústria e o que afirma a comissão a diferença de custos diretos é de dez vezes nos carros a gasolina e cinco vezes nos veículos a diesel. O estudo sublinha que há também custos indiretos que Bruxelas não incluiu na sua análise. Não existe apenas a necessidade de os construtores pagarem novas tecnologias e testes, mas há também maior consumo de combustível, nomeadamente para aquecer o catalisador: só isto, afirma-se no estudo, implica um custo adicional de 700 euros num camião contruído de acordo com as novas regras, as quais visam eliminar a poluição atmosférica causada nas cidades europeias pelas emissões de óxidos de azoto dos motores a combustão.
O estudo da Frontier Economics que contesta os números de Bruxelas foi encomendado pela ACEA, a associação que representa os fabricantes europeus de automóveis e que é também o maior lobby da indústria. Segundo se afirma, será necessário gastar muito dinheiro na alteração de motores que já não serão fabricados em 2035 (apenas dez anos depois da entrada em vigor das novas normas), desviando para estes motores recursos que podiam ir para a eletrificação mais rápida do parque automóvel. Essa tecnologia, só por si, tem o potencial de acabar com as emissões poluentes. Para o sector automóvel, não existe dúvida de que a competitividade industrial europeia será prejudicada e que os consumidores terão de adquirir veículos mais caros, sem vantagens ambientais, pois a eletrificação vai atrasar.
Indústria poderosa
A Associação de Construtores de Automóveis Europeus (ACEA) é um poderoso lobby industrial que representa as principais marcas do setor. A indústria automóvel é responsável por 11,5% do emprego industrial e 8% do PIB europeu. As empresas europeias deste setor abarcam 13 milhões de empregos diretos e indiretos, produzindo 16,2 milhões de veículos por ano, um quinto dos carros construídos em todo o mundo. Esta indústria tem enorme impacto em diferentes setores económicos, no pagamento de impostos, no desenvolvimento tecnológico e na ciência ou ainda nos hábitos sociais. Na UE há 567 veículos de passageiros por mil habitantes (em Portugal 525), o que soma quase 250 milhões de veículos em circulação, com uma média de 12 anos de idade. Pode até dizer-se que a mobilidade automóvel é um dos fundamentos da economia e da cultura na Europa. Portugal não é exceção e possui uma importante indústria automóvel: em 2021, foi o 11º maior fabricante da UE.
Muito afetada pela pandemia, a indústria está a ter bons resultados no primeiro trimestre de 2023, o que permite prever recuperação significava, em 2023, no número de veículos registados. Refira-se ainda que as alterações são impostas devido a vários óxidos de azoto emitidos por motores de combustão e ligados à intensidade do trânsito e utilizações industriais. O monóxido de azoto (NO) e dióxido de azoto (NO2) são nocivos para as pessoas e o óxido nitroso (N2O) é um gás com poderoso efeito de estufa.
Os estudos da indústria afirmam, no entanto, que as novas normas apenas reduzem as emissões de óxidos de azoto numa proporção de 2% nos camiões e 4% nos veículos de passageiros. O argumento do sector é o seguinte: se a comissão deixasse a legislação em vigor sobre estas emissões poluentes (as normas Euro 6), seria possível, até 2030, reduzir os óxidos de azoto em 80% da emissão atual, com a simples substituição dos automóveis antigos por veículos novos.
Com as normas que entram em vigor em 2025 os carros serão mais caros, mas a Comissão não contabilizou outros efeitos, por exemplo: a indústria calcula que vai perder 7% de vendas. Além disso, os modelos mais baratos deixam de ser rentáveis e terão de ser descontinuados, pelo que há fábricas condenadas e empregos ameaçados. Com grandes necessidades de investir em testes e em novas tecnologias para travar as emissões de motores (que de qualquer forma irão desaparecer), a indústria terá menos dinheiro para apostar na eletrificação, atrasando um processo com grande impacto na redução das emissões de dióxido de carbono, além da totalidade dos óxidos de azoto.
Segundo esta crítica, os recursos vão ser desviados de uma tecnologia com futuro, que resolve o problema da descarbonização, para outra com custos elevados e efeitos duvidosos. A
legislação Euro 7 concentrará o investimento em motores de combustão ultrapassados. Pelo contrário, os carros elétricos, onde a indústria já gastou 250 mil milhões de euros, não emitem óxidos de azoto. Ao atrasar a eletrificação, fica comprometido o calendário do setor, que passava por uma meta, já em 2034, de serem elétricos 93% de todos os carros vendidos.
A indústria diz que vai perder pelo menos três anos a desenvolver tecnologias que considera pouco económicas. Isto surge na pior altura, com o crescimento da concorrência de novos rivais ambiciosos (China) e num momento em que a indústria atravessou o período difícil da pandemia, com perdas nas vendas e somas avultadas gastas na reestruturação das cadeias de produção e modernização de fábricas.
Poluição letal
Os documentos da União Europeia contam uma história muito diferente desta. As estimativas de custos são mais baixas, não se menciona qualquer aumento de consumo de combustíveis fósseis e, na ótica dos legisladores, será fácil fazer as modificações com tecnologias existentes. A proposta Euro 7 resulta de uma discussão que envolveu negociações entre Conselho e Parlamento, entre países e indústria, num debate que se prolongou por quatro anos e onde convergiram várias ambições políticas de fundo: emissões de CO2, estratégia de mobilidade, plano de poluição zero e nova estratégia industrial. Bruxelas estabeleceu as normas em novembro de 2022, estando a terminar o período de consultas e de codecisão entre Conselho e Parlamento, onde as discussões políticas avançam.
No fundo, Bruxelas procurou harmonizar os regulamentos sobre veículos e motores, visando defender o mercado único. O segundo objetivo, muito repetido ao longo dos documentos, era melhorar a qualidade do ar nas cidades europeias. Em 2018, uma estimativa da UE colocava em 300 mil o número de mortes prematuras devido ao efeito da má qualidade do ar respirado nas zonas urbanas.
Organizações ambientalistas que apoiavam a intenção da Comissão lembraram que o atraso de 30 dias na adoção desta legislação colocava nas estradas europeias um milhão de automóveis poluentes que estariam a circular durante décadas.
Apesar de tudo, a Comissão reconhece que desde 2013 e 2014, quando entraram em vigor as leis do pacote Euro 6, as velhas normas foram suficientes para reduzir as emissões de óxidos de azoto em 22%, nas classes de veículos de passageiros e comerciais.
A intenção de criar leis mais restritivas teve a ver com os objetivos climáticos, sobretudo com a meta de reduzir até 2030, em pelo menos 55%, as emissões de gases com efeito de estufa, isto na comparação com os níveis de 1990. O Euro 7 tem por alvo os motores de combustão interna e a Comissão acredita que as novas normas podem dar à indústria europeia uma vantagem competitiva, na rivalidade com construtores de automóveis não-europeus. Os fabricantes discordam, dizem que vão ter prejuízos e que os consumidores acabarão por pagar a conta.
Luís Naves