Karen Vancluysen: “Precisamos de cidades centradas nas pessoas”

2023
06-09-2023

Karen Vancluysen é secretária-geral da POLIS, a principal rede europeia de cidades e regiões na área da inovação em transportes urbanos. Em entrevista Portugal Mobi Summit diz que o seu papel é "ajudar as cidades a passar da ambição à ação, propondo soluções e evitando erros".

Com sede em Bruxelas, a POLIS é uma rede de cidades e regiões que promove a discussão da mobilidade urbana, pondo em contacto investigadores, indústria e decisores políticos. Os intervenientes "falam dos seus sucessos e fracassos, que podem ser instrutivos", explica a secretária-geral, Karen Vancluysen, numa entrevista aos curadores da Mobi Summit, Paulo Tavares e Charles Landry. Esta organização (de que Lisboa é membro) procura influenciar a legislação europeia e acelera o diálogo com a indústria. "Ajudamos as cidades a mudarem da ambição para a ação. Queremos transmitir as soluções e evitar os erros", diz a dirigente.

"Temos de garantir que a inovação responde às políticas e não perturba o que se está a tentar fazer nos serviços, na poluição do ar, na poluição sonora, na segurança ou congestionamento, nas alterações climáticas". Os especialistas da POLIS contam com uma importante ferramenta, o Plano Europeu de Mobilidade Sustentável promovido pela Comissão Europeia, com abordagens integradas e pacotes de soluções.

Como será o futuro das cidades? Haverá inovações tecnológicas, reconhece Vancluysen, "mas a grande mudança estará na massiva realocação de espaço e na transição do carro privado para meios de transporte sustentáveis". Na sua opinião, o conceito da cidade de 15 minutos continua a ganhar terreno (serviços ao alcance de 15 minutos de bicicleta ou a pé). Com a libertação de espaço antes ocupado por carros, "as cidades tornam-se mais poderosas".

"A nova cultura da mobilidade consiste em desfazer os erros cometidos no passado e abraçar a inovação de forma inteligente. Precisamos de cidades mais centradas nas pessoas. A cidade inteligente não é aquela que adota qualquer inovação que apareça, mas a que aproveita para se tornar mais multimodal e sustentável, oferecendo melhores serviços de transportes".

"A tendência favorável é a que transforma cidades para carros em cidades para pessoas", considera a especialista, que enumera outras boas ideias: "Temos de avançar para veículos mais limpos, mas substituir os atuais carros por automóveis elétricos não soluciona a congestão" de trânsito. Vancluysen defende redes de bicicletas elétricas para viagens com mais de cinco quilómetros e, sobre a digitalização, lembra que nem toda a gente sabe utilizar essa tecnologia: "Na transição justa, temos de nos certificar que não deixamos ninguém para trás".

Por outro lado, o uso de sistemas inteligentes e a automação devem ser pensados. "Queremos uma cidade cheia de carros automáticos, mas onde não vemos ninguém a andar de bicicleta? Penso que não. Por isso, precisamos de estabelecer as regras agora".

Na mobilidade urbana, a maior inovação "é política", diz Vancluysen. A ideia é ajudar as cidades a encontrarem soluções de longo prazo, "que vão além dos ciclos eleitorais". Os instrumentos legislativos europeus são fundamentais, mas a sua aplicação é politicamente sensível, e cita exemplos, tais como zonas de emissões zero, taxas de congestão de tráfego, planos de circulação ou realocação de espaços. "As cidades podem ser ágeis, sobretudo quando estão sob pressão, sendo claro que nos movemos da monomodalidade para a multimodalidade".

Isto significa sistemas complexos, integrados, envolvendo várias formas de transportes. "É preciso juntar os privados e o setor público, trazer novos modelos de negócio. As cidades e os sistemas privados podem operar em conjunto". Daí a importância da legislação europeia e do diálogo. "A chave é empurrar a tecnologia na direção certa".

Karen Vancluysen reconhece que vivemos numa época individualista, mas também vê sinais encorajadores: "As pessoas já não aceitam o ar poluído e estão cada vez mais preocupadas com as alterações climáticas". Na sua opinião, existe uma sensação de urgência e isso pode levar à criação de um movimento de conciliação entre as necessidades da cidade e a vontade das populações. "Queremos ajudar os decisores políticos e os cidadãos a fazerem as escolhas certas", afirma. O que é preciso fazer? Pagamento dos custos da poluição, carros na cidade só para quem precise deles, investimento em larga escala nos transportes públicos de qualidade, velocidade máxima de 30 quilómetros por hora e espaço libertado para a mobilidade ligeira. Decisões difíceis, mas que a secretária-geral da POLIS considera indispensáveis.

(Saiba tudo sobre o Portugal Mobi Summit em www.portugalms.com)

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