Lisboa ganha mais 19 ciclovias com 17 km de extensão

2023
10-11-2023

Pacificar os vários modos de mobilidade é difícil, mas crucial para reduzir emissões. A Bolt já está a monitorizar os utilizadores de trotinetas e prevê punições para irregularidades. Lisboa vai ter 174 estações de bicicletas a 10 minutos de cada munícipe, garantiu o presidente da EMEL num debate Mobi Summit.

Nos anos 80 existiam em Portugal 150 carros por mil habitantes. Hoje, o número subiu para 550 veículos, sendo que as ruas não quadriplicaram em largura nos últimos 40 anos. Neste cenário em que o espaço público foi sendo ocupado por automóveis, e desenhado em função deles, conciliar o trânsito automóvel com os peões e os modos suaves de mobilidade, como as bicicletas e as trotinetas, é um desafio cada vez mais complexo. Mas esse é um imperativo climático e foi, por isso, o mote de mais um debate Portugal Mobi Summit, em que participaram o presidente da EMEL, Carlos Silva, o ex-vereador de mobilidade da CML e responsável da SIBS, Miguel Gaspar, o responsável de micromobilidade da Bolt, Frederico Venâncio, e Rita Castel' Branco, do conselho fiscal da MUBi.

O conflito existe e é assumido por todos. “Mexer em ciclovias existentes ou criar novas gera sempre alguma polémica e até dúvidas em quem exerce o poder, mas tem de haver um diálogo, porque o espaço urbano é finito”, admitiu o presidente da EMEL. Carlos Silva lembrou o exemplo de Lisboa, cidade muito antiga, “cujo tecido urbano não foi pensado para bicicletas”. Mas o dirigente da empresa municipal de mobilidade não tem dúvidas de que a prioridade deve ser o peão, depois os modos suaves, o transporte público, a mobilidade partilhada e, só no fim, o carro individual.

E, nesta matéria, a EMEL vai continuar a investir na expansão da rede ciclável da capital, bem como do parque de bicicletas partilhadas GIRA.

O seu presidente avançou que “vão ser construídas 19 ciclovias num total de mais 17 km”. Nesta modalidade “já se fazem atualmente cerca de 12 mil viagens por dia” com um número de bicicletas que deverá chegar às 500 até ao dezembro. Os planos apontam para a disponibilização de um total de 174 estações até final do próximo ano, chegando às sete freguesias da cidade que ainda não estão cobertas por este serviço de mobilidade partilhada, disse o responsável.

Após este investimento “cada cidadão de Lisboa estará a menos de 10 minutos de uma estação GIRA”, adiantou. A agenda da EMEL prevê igualmente a criação de zonas bici+30 (vias partilhadas a velocidade controlada) em 13 novos bairros. Porque a redução da velocidade também é um imperativo de segurança, que ajuda a aumentar a adesão aos modos de mobilidade suave, concordaram todos convidados do painel.

Mas Carlos Silva pede às autoridades policiais uma fiscalização mais robusta nestas zonas de acalmia de tráfego, sob pena de “os abusos” aos direitos dos peões continuarem.

Cidade segura dos 8 aos 80

Na mesma linha, o responsável da área de Business Development & Innovation da SIBS, Miguel Gaspar, defende que “a cidade tem de ser igualmente segura para uma criança de 8 anos como para alguém com 80 anos”. Isso passa pela redução da velocidade, por espaços dedicados a peões e bicicletas, por passeios rebaixados nas passadeiras e por uma cultura de respeito entre todos os modos de mobilidade. Esta é a maneira mais eficaz de garantir maior adesão aos modos de mobilidade suave, conhecida que é a resistência de muitas pessoas pela percepção de insegurança associada, salientou.

Miguel Gaspar relembrou alguns dados estatísticos sobre a sinistralidade rodoviária em Portugal: metade das mortes registadas são em meio urbano, sendo que, destas, metade são peões atropelados. “Temos de mudar alguma coisa”, disse.

A esse propósito, o ex-vereador aludiu ao contrasenso de precisarmos de ter veículos mais pequenos e mais leves (ajudam a reduzir a sinistralidade mortal) e de os novos veículos elétricos serem ptecisamente mais pesados e maiores, devido ao peso das baterias. O responsável da SIBS reconhece que, na equação entre vários modos de mobilidade, o peão é o mais prejudicado, mas também admite ser importante manter a acessibilidade aos veículos automóveis, naquilo que “é um exercício muito complicado”.

Por isso, Miguel Gaspar considerou que, apesar dos compromissos assumidos, pelo executivo anterior e secundados por este, com a neutralidade carbónica em 2030, “ainda estamos atrasados no cumprimento dessa promessa”.

Há, porém, indicadores positivos que devem continuar a animar o investimento na requalificação do espaço urbano. Partindo do conhecimento que a ciência dos dados confere – área da SIBS Analytics – Miguel Gaspar garante que os dados reunidos têm demonstrado que “as zonas onde se devolve o espaço aos peões e bicicletas crescem mais do que as que não são intervencionadas”. Esse movimento é quantificável, na medida em que a SIBS tem acesso a uma quantidade enorme de transações comerciais feitas através de cartões bancários. São indicadores que levam o ex-vereador a concluir que a chamada 'cidade dos 15 minutos' é importante para melhorar a qualidade de vida e a segurança, mas é também um motor económico”. Exemplos nesse sentido verificaram-se, não apenas noutras cidades europeias, mas também em bairros de Campo de Ourique e de Benfica, apontou aquele responsável, que foram alvo de intervenções do género. E confirmam que “a ciência dos dados é uma ferramenta importante para apoiar as políticas públicas”.

Trotinetas em auto-regulação

É também da ciência dos dados que a Bolt parte para avançar com uma nova modalidade de monitorização do comportamento dos utilizadores de trotinetes partilhadas. Frederico Venâncio, responsável de micromobilidade da Bolt, adiantou que a empresa começou a fazer essa medição em Lisboa, para apurar comportamentos perigosos como travagens e mudanças de direção bruscas ou outras transgressões. E a operadora de mobilidade planeia criar um ranking de pontos, que podem determinar a punição do utilizador infrator com uma redução automática de velocidade máxima nas suas viagens próximas, uma sessão de sensibilização ou, em caso extremo, a expulsão da aplicação.

FredericoVenâncio defendeu que “para haver uma convivência mais segura e fluída entre os vários modos são precisas mais infraestruturas, seja em ciclovias ou em docas de carregamento para bicicletas e trotinetas”. Em segundo lugar, o responsável da Bolt aponta a necessidade de investir em educação e inovação, nomeadamente com campanhas de sensibilização, para que as pessoas possam optar por este tipo de veículos.

A Bolt está presente em 16 municípios portugueses e já apurou alguns dados relevantes: “64% dos utilizadores das trotinetas são locais e, ao contrário do que sucedia no início, as viagens são cada vez mais longas usadas numa base de dia-a-dia”, adiantou o country manager.

Questionado por Paulo Tavares, curador do PMS, sobre se o que aconteceu em Paris (com a proibição das trotinetas partilhadas) também poderá ocorrer em Lisboa, Frederico Venâncio acredita que não. E lembrou que o modelo de Lisboa é diferente. Em Paris a autarquia tinha contratos de concessão, em Lisboa funciona “um mercado livre, com regras definidas, que obriga os operadores a acrescentar melhorias constantes, quer ao nível de organização quer de preços competitivos”. Para o responsável, “Lisboa é um bom exemplo do que se deve fazer” em matéria de regulação do setor. Frederico Venâncio fez questão de frisar que uma coisa é o serviço de trotinetas partilhadas, outra são as trotinetas privadas e, essas, continuam a circular aos milhares em Paris.

Falta conhecimento a municípios

Sobre esta convivência difícil entre os vários modos de mobilidade, Rita Castel' Branco, da MUBi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta) lembrou que “muitas vezes, as bicicletas e as trotinetes andam em cima do passeio porque não têm outro espaço para o fazer em segurança”, em face da falta de espaços dedicados. “Cerca de 70% a 80% do espaço é ocupado pelos carros, os peões ficam com as sobras e os ciclistas nem as sobras têm”, disse. Por isso, Rita Castel' Branco enfatizou a necessidade de reforçar a segurança de todos, nomedamente, com a criação de mais zonas de velocidade reduzida. “Portugal é dos países com a maior percentagem de atropelamentos”. A ativista apontou a restrição dos carros e da sua velocidade como um meio de reduzir os atropelamentos mortais e problemas de saúde causados pela poluição, que em Portugal podem causar cerca de 6 mil mortes. Do lado inverso enalteceu as vantagens para a saúde de uma mobilidade ativa, na prevenção de risco de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares.

A responsável da MUBi foi muito crítica das opções da proposta de Orçamento do Estado para 2024, por, disse, “não alocar verbas para a estratégia nacional de mobilidade ativa, pedonal e ciclável”. Já, a Irlanda “gasta até à hora de almoço, mais do que Portugal num ano inteiro.”

A associação, que apresentou 16 propostas aos grupos parlamentares, identificou igualmente “um défice de competências técnicas” nestas matérias ao nível dos muncípios para redesenhar o espaço público. E está a desenvolver meios para disponibilizar esse conhecimento aos municípios.

Carla Aguiar

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