Maritime Sisters: "Economia circular é o futuro do transporte marítimo"

2023
27-11-2023

As empresárias holandesas Marjolein Boer e Sylvia Boer, agentes de inovação no setor marítimo, acreditam que a transição energética nesta indústria vai ter de passar por várias várias fontes de combustível. E consideram que ainda não é claro o custo/benefício da alternativa hidrogénio.

São ambas empresárias num setor tradicionalmente dominado por homens, a indústria marítima. Marjolein e Sylvia Boer são também irmãs e fundaram a companhia Maritime Sisters, que opera no Porto de Roterdão, nos Países Baixos, e funciona como uma agência de inovação, fazendo pontes. Em entrevista conduzida pelos curadores da Mobi Summit, Paulo Tavares e Charles Landry, as duas holandesas falaram da paixão pela indústria marítima herdada do seu pai, que lhes mostrou as dinâmicas internacionais do setor, mas também conversaram sobre a necessidade urgente de mudança, que passa pela transição energética dos navios e por portos mais sustentáveis.

Segundo as duas empresárias, a opinião pública não entende o caráter complexo e vasto do setor marítimo, mesmo num país como a Holanda, onde este é crucial. "Cerca de 90% dos produtos que consumimos diariamente foram transportados por um navio", explicou Marjolein Boer, isto inclui petróleo e gás, café e especiarias, "tudo entra pelos portos e ninguém sabe disso". No caso holandês, só o porto de Roterdão é responsável por 56 mil milhões de euros em valor acrescentado e meio milhão de empregos diretos e indiretos. O porto tem 40 quilómetros de extensão, alcance mundial, mas além do comércio e logística, a infraestrutura de importância estratégica envolve construção naval e consome muita energia.

Para as empresárias, existe consciência de que é necessário mudar a atual maneira de funcionamento, reduzindo o consumo de combustíveis poluentes, aumentando a sustentabilidade e a reciclagem. "Temos de fazer alguma coisa", disse Sylvia, que antes de avançar com a empresa trabalhava em transição energética, a instalar parques eólicos no mar.

"Não precisamos de mudar o mundo de uma vez, mas penso que há uma transição mais urgente, a das matérias-primas”, acrescentou Sylvia Boer. “Temos de usar menos materiais e usar estes materiais na maior extensão possível de tempo. Isso não está no radar [das autoridades e da opinião pública], mas pode mudar a indústria, sobretudo com a redução de custos na utilização mais inteligente dos materiais. As matérias-primas estão a escassear, por isso temos de nos focar na economia circular", o que significa maior preocupação com a reciclagem.

Para Marjolein Boer, o futuro dos portos está na inteligência e na sustentabilidade. "Esta é a visão, energia, conhecimento, inovação e talento". Estão a ser feitas experiências na Holanda incluindo 40 navios sem emissões de gases com efeito de estufa, com vários tipos de propulsão, incluindo hidrogénio verde, que terá de ser importado, já que não é produzido em quantidades suficientes nos Países Baixos.

As duas empresárias disseram nesta entrevista que o setor marítimo será baseado no futuro em economia circular (tudo será pensado, desde a criação do navio à sua reciclagem) e muito diversificado nas tecnologias usadas, com diversos tipos de energia e configurações navais. "As coisas vão mudar depressa", disse Sylvia Boer, "mas a aparência do porto será idêntica, mudará [o grau] de automação e de digitalização". A transformação nem sempre será visível, mas está a ser profunda e dispendiosa: "Há muito dinheiro para investir", referiu a empresária. 

Questionadas sobre a velocidade da mudança no seu setor, as duas irmãs reconheceram que existe atraso em algumas tecnologias e que as alterações não podem ser mais adiadas. "Somos uma potência marítima e a nossa posição não pode ser posta em causa, pois há outros países que estão a adaptar-se depressa", disse. "Um navio pode navegar até 80 anos, por isso não se pode mudar de um momento para o outro. Muitas mudanças têm de acontecer fora de vistas, por exemplo, na casa de máquinas. Isto é como um petroleiro, que não consegue mudar de rumo tão depressa como um navio mais pequeno".

As empresárias holandesas mencionaram a necessidade de uma boa colaboração das companhias com o governo no aspeto da regulação e sublinharam várias vezes a questão da economia circular, onde o setor privado tem de procurar as melhores inovações. Os projetos de conversão de navios para novos combustíveis são complexos e dispendiosos, havendo na parte da reciclagem aspetos menos evidentes para o público. Um exemplo: o circuito pode ser interrompido muito antes da reciclagem dos navios, já que estes podem ser comprados por outros países, estando muitas vezes em boas condições.

Segundo Sylvia e Marjolein Boer, há países que estão a fazer mudanças corretas e citam o caso de Singapura, mas o ponto  "é que os navios viajam por todo o mundo", por isso os desenvolvimentos num local não serão suficientes, no fundo será necessário conseguir criar uma rede portuária mundial mais avançada. Alguns países com forte conhecimento no domínio de comércio marítimo e construção naval podem focar-se em nichos de mercado.

Questionadas sobre o combustível que vai dominar a indústria, as duas irmãs disseram que isso era difícil de prever, provavelmente "uma mistura de fontes de energia", não apenas hidrogénio, mas outros combustíveis. "Ainda não é claro o custo/benefício da alternativa hidrogénio", dizem. Há muitas mudanças no horizonte, disseram, adiantando o exemplo da infraestrutura para instalar os grandes parques eólicos que serão construídos em offshore. Será necessário um porto para acomodar os navios, as máquinas, as turbinas, sendo que a "falta de capacidade portuária pode travar a ambição europeia de instalar essa capacidade eólica no mar".

Luís Naves

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