
Mobilidade a hidrogénio: Falta de legislação não trava ousadia de Cascais

Câmara Municipal de Cascais escuda-se na diretiva europeia para avançar com projetos pioneiros como a circulação de autocarros a hidrogénio e produção desta energia alternativa. Participantes na conferência do Portugal Mobi Summit criticam demora na elaboração da lei e pediram incentivos
A mobilidade a hidrogénio por agora pertence aos ousados. A falta de legislação nacional leva a que muitas autarquias e empresas se retraiam em apostar no setor que ainda não está regulamentado em Portugal. E quem avança, como é o caso pioneiro da Câmara Municipal de Cascais, resguarda-se na diretiva comunitária.
A falta de legislação nacional que regule o uso e abastecimento de transportes a hidrogénio – nomeadamente coletivos e pesados – foi uma das grandes lacunas apontadas pelos intervenientes do painel Câmara Municipal de Cascais, onde foi debatido o tema “Mobilidade a Hidrogénio – Para Quando?”, esta quarta-feira, no encerramento da conferência “Rumo a Um Mundo Net Zero – Uma Oportunidade em Construção”, no âmbito do Portugal Mobi Summit.
Mas se a ausência de leis nacionais foi um dos assuntos mais falados, também o tempo, ou seja, o facto de o hidrogénio ser uma alternativa recente aos combustíveis fósseis, os apoios e a sensibilização da sociedade para o uso desta energia alternativa foram referidos como questões que ainda faltam conquistar.
Miguel Casaca, presidente do Conselho de Administração da Cascais Próxima, foi perentório: “Falta legislação. Tenho visto abertura para aprenderem com a nossa experiência. É importante que haja incentivos, a questão tem que ganhar mais dinâmica”, disse, sublinhando que com leis a reger este setor, o Governo também pode agilizar grandes projetos do PRR. Recorde-se que a autarquia foi pioneira na compra de autocarros movidos a hidrogénio e que atualmente tem a circular quatro veículos de transporte de passageiros e uma viatura ligeira. E está também a desenvolver um projeto-piloto que transforma resíduos sólidos em hidrogénio. Até final do ano, Miguel Casaca espera que já possa haver produção de hidrogénio.
Paulo Ferreira, fundador e CEO da PRF Gas Solutions, criticou a demora para que a lei veja a luz do dia que, m sua opinião, está a limitar novos projetos como o da autarquia de Cascais. “Queremos acreditar que a lei não será tão difícil assim. Não se percebe porque demora tanto tempo, sendo um processo que requer tanto investimento.”
“Sabemos de projetos com apoios para a instalação de postos de abastecimento que não avançam. Porque enquanto temos entidades mais ousadas como a Câmara de Cascais, outras mais conservadoras esperam que a legislação saia primeiro”, afirmou o CEO da PRF, empresa de vanguarda de tecnologia na área dos gases combustíveis. O receio das entidades, explicou, é investirem nos postos de abastecimento com base na diretiva europeia e que a lei nacional altere significativamente o que possa já estar instalado.
Bruno Veloso, vice-presidente da Agência para a Energia – Adene, argumentou que a Estratégia Nacional para o Hidrogénio “é uma boa almofada para quem quer investir” porque é uma garantia de que as regras do jogo não vão mudar. Apesar de tudo, reconheceu que “é natural que quem está no meio empresarial queira a lei seja mais rápida. A crise energética mostrou essa necessidade.”
Nuno Carvalho, diretor comercial e administrador da Caetano Bus, que fabrica veículos elétricos a bateria e a hidrogénio, colocou a tónica na necessidade de haver apoios financeiros para quem adquire estes veículos. Sublinhou a propósito, que existem para todos os operadores na Europa. “Portugal também tem mas são limitados.” E sobre o preço mais elevados dos autocarros elétricos comparativamente aos movidos a diesel, disse que a empresa está a trabalhar para a paridade, mas realçou que a manutenção é mais barata.
A questão era o que ainda falta para que o hidrogénio seja uma realidade na mobilidade e Bruno Veloso, vice presidente da Agência para a Energia – ADENE, apontou a necessidade de conquistar as pessoas, empresas e autarquias para outras formas de transporte mais amigo do ambiente, como é o caso do hidrogénio, e vê-lo também como uma solução de poupança.
Quando há mudança, há ceticismo. “Isto não é uma moda, é renovação tecnológica e espero que seja acelerado no transporte rodoviário”, referiu o presidente da ADENE, lembrando que o motor a diesel tem mais de uma centena de anos de experiência e de melhorias e é esse concorrente que o hidrogénio tem de combater. Apesar do saldo tecnológico dos veículos elétricos a bateria há constrangimentos, como a demora a carregar, a disponibilidade da rede elétrica a segurança do abastecimento, etc.
A Caetano Bus, que deixou de produzir autocarros a diesel, diz que os veículos elétricos a bateria e a hidrogénio são duas tecnologias que se complementam. Nuno Carvalho entende que para as pequenas frotas as baterias fazem sentido, mas que os operadores com um grande número de autocarros devem repensar a sua estratégia para poderem cumprir as metas de descarbonização. Pegando no tempo de abastecimento como exemplo, disse que um elétrico a bateria leva 3 a 5 horas a abastecer, enquanto o abastecimento de um elétrico a hidrogénio demora 30 a 40 minutos.