
Municípios portugueses querem reduzir emissões com consensos e sem proibições

Oeiras questiona o impasse na instalação de um corredor BUS na A5, autoestrada que liga o município a Cascais e Lisboa. Num painel dedicado às zonas de emissões reduzidas, debateu-se o equilíbrio entre a proibição de circulação em certos locais e a tomada de estratégias alternativas nos municípios.
É necessário encontrar consensos, testar diferente soluções e criar estímulos para se atingir a neutralidade carbónica, através de políticas de proximidade. No segundo painel de debate da Cimeira Portugal Mobi Summit 2023, que decorre esta sexta-feira, foram estas a premissas gerais defendidas pelos oradores, em representação de quatro municípios portugueses. Criar incentivos para se optar por diferentes tipos de mobilidade, em detrimento do automóvel, criar zonas sem circulação de veículos e recorrer ao uso da tecnologia para medir dados foram outros aspetos destacados durante a conversa. Só assim, convergem os representantes autárquicos, se pode trabalhar de forma equilibrada no planeamento do futuro das cidades.
Num tema plenamente atual, que muito impacto tem na gestão autárquica de futuro, é necessário entender as prioridades de cada território. Todos os participantes no painel concordam, por isso, com a ideia de que é preciso ouvir as pessoas antes de tomar decisões. Em Vila Nova de Famalicão, a tónica está na criação de estímulos que levem os residentes a optar por formas de mobilidade mais sustentáveis, em especial no centro da cidade. “O que fizemos foi criar zonas de convivência, com sinalética, onde o carro surge em último na hierarquia. Não queremos proibir, mas a regra é convivência”, frisou Mário Passos, presidente da câmara municipal, que defendeu a ideia de “criar desconforto nos automobilistas” e dar seguimento a uma “ação pedagógica sobre as pessoas”. O objetivo é contribuir para um melhor desenvolvimento da cidade dos 15 minutos. “As pessoas aprenderam por elas e as medidas estão a ter sucesso”.
Conhecer as necessidades do território para se tomar decisões políticas foi, neste caso, o aspeto defendido por Joana Baptista, vereadora do Ambiente, Obras Municipais e Mobilidade da Câmara Municipal de Oeiras. Para haver estabilidade nas políticas publicas é preciso sensibilizar as pessoas, algo que na ótica desta vereadora tem vindo a suceder no concelho, num desenvolvimento sustentado em torno do conceito de cidade verde e azul. “Apostámos numa infraestrutura verde e estamos a caminhar para os mil hectares de área verde”, realçou, acrescentando que mantêm o objetivo de ter uma árvore plantada por cada cidadão.
Relativamente ao paradigma da mobilidade, Joana Baptista defendeu que as políticas devem ser pensadas para lá dos mandatos em execução. Frisou a construção de vias alternativas e ciclovias, mas questionou o impasse na instalação de um corredor BUS na A5, autoestrada que liga o município a Cascais e Lisboa. “Há que falar com seriedade destes temas e há mais de 30 anos que se fala num corredor BUS na A5, que nunca mais é feito. Três municípios estão entre a Brisa e o Governo e há um impasse, pelos vistos até 2035, que é o prazo de concessão da Brisa e nada se decide. Quem é que se prejudica? O cidadão, a causa publica e qualquer medida de mobilidade que esteja encetada pelos três municípios é diminuída porque as entidades não decidem de forma estratégica”.
Chegados a Lisboa, os problemas de mobilidade exigem soluções rápidas para melhorar a vivências dos residentes, mas também de que visita. O binómio para criar soluções tem uma base científica de estudo e outra de ouvir as pessoas, segundo Ana Raimundo, diretora Municipal da Mobilidade da Câmara de Lisboa. “Temos vontade de manter todos os meios de mobilidade, mas também queremos mudar mentalidades”, explicou. A interdição do automóvel em certas zonas tem sido um tema discutido nos últimos anos, mas para já, diz Ana Raimundo, não existem “projetos de zonas zero”, ainda que existam projetos de fechar algumas zonas à circulação em certos dias. “São estratégias que temos de começar a aplicar nas nossas cidades, mas proibir é o caminho errado para mudar de políticas”, salienta.
Recorrendo a um outro exemplo, Nuno Piteira Lopes, vereador do Espaço Público, Urbanismo, Emprego e Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais destacou a proibição da circulação de veículos no designado Bairro Amarelo. Onde antes havia três restaurantes, agora existem 15, ainda que isso não seja sinónimo na redução de ruído. “Há dados que comprovam que fechar ruas nem sempre é uma boa decisão porque cria outros problemas”, explicou o vereador, realçando que foi preciso reunir os comerciantes e debater soluções. “E há formas muito simples, nomeadamente começar a pôr música mais tarde, para deixar as pessoas descansar um pouco mais”, completou. Em Cascais a prioridade é, ainda assim, a criação de mais zonas de peões e transportes públicos. O vereador defende que é um mito a ideia que os comerciantes sejam contra o fechar ruas ao trânsito. “Há dez anos atrás era impensável dizer isto a uma comerciante, hoje já existe os que perguntam quando é que se fecha ao trânsito”, sintetizou.
Atualmente todos os indicadores contam para se construir novas políticas, mas também para assegurar votos. Em Vila Nova de Famalicão, Mário Passos diz o modelo atual é de cogovernação e o objetivo é cativar todos, em especial as empresas e indústria a serem os primeiros interessados na neutralidade carbónica. Já em Oeiras, Joana Baptista defende que necessário ser-se “pragmáticos e resilientes” na forma como se tomam decisões. A mesma linha é defendida por Ana Raimundo. “Temos de gerir com coragem, saber delegar e fazer acontecer. Trabalhamos em conjunto. Não somos ilhas. E garantidamente vamos conseguir fazer e quem vota também quer isso”.
Inquéritos, ouvir as pessoas e testar hipóteses sem medo de errar são atualmente instrumentos fundamentais para medir a sustentabilidade das cidades. Acima de tudo, defendem os oradores, há forma de desconstruir mitos e juntar diferentes gerações em prol de uma urgência que é global. Tal como sustenta Piteira Lopes Nuno, é preciso tentar e continuar a fazer melhor. “Temos de sentir na prática e na rua o que é que as pessoas sentem com as nossas decisões, mas se não tentarmos não podemos fazer nada”.
Ricardo Ramos Gonçalves