Portugal tem de simplificar a mobilidade e investir mais em infraestruturas

2023
06-10-2023

O País está atrasado nos serviços integrados de transporte, pagamento e estacionamento. O tema esteve em foco no Portugal Mobi Summit, onde a EDP defendeu mais investimento público na rede de carregamento e anunciou uma nova solução doméstica.

Melhorar a mobilidade urbana e torná-la mais sustentável é urgente, numa altura em que metade da população mundial vive em cidades e se estima que a percentagem suba para 70 a 80% em 2050. E a isto ainda acresce o impacto do turismo: em 2030 deverão circular pelo mundo 1,8 mil milhões de turistas. Por isso, ao mesmo tempo que se fecham ruas ao trânsito ou se aposta em veículos zero emissões, é igualmente importante melhorar os próprios serviços de mobilidade, tornando-os mais simples e acessíveis. Estes foram temas em dicussão nas duas conferências realizadas no âmbito do Portugal Mobi Summit, a 22 e 27 de setembro e o foco, muito em particular, do debate dedicado ao conceito 'mobility as a service', organizado pela Deloitte.

Os conceitos que estão a ser aplicados em vários pontos da Europa passam por sistemas de pagamento de transportes centralizados e a integração das plataformas de mobilidade, sejam comboios, autocarros, biciclicletas ou barcos, disse Ricardo Martins, partner da Deloitte e especialista em transformação urbana. Isso permite planear a viagem em tempo real e pagar com cartões ou telemóveis. "Cascais é um case study de mobilidade dos cidadãos", com uma aplicação única que permite pagar o autocarro, a bicicleta e o parque de estacionamento, disse Ricardo Martins. A Deloitte também está envolvida num projeto na Flandres, com 3,5 milhões de pessoas, mas igualmente em Faro. A própria consultora desenvolveu internamente uma solução simples de mobilidade corporativa.

Na mesma linha, a country manager da Mastercard, Maria Antónia Saldanha, confirmou a tendência e considerou que, nesta matéria, Portugal “está muito atrasado”, porque os sistemas que existem não servem os utilizadores, sejam estrangeiros ou residentes. Este “não é um tema de falta de tecnologia, de falta de soluções ou serviços, é um tema de vontade política”, acrescentou a responsável de uma empresas que tem introduzido soluções de pagamento mais fáceis em mais de uma centena de países.

Entre as tendências que estão a surgir estão, por exemplo, o pagamento por contactless, ter um modelo de tarifário que serve não só o utilizador mas que também é mais rentável para o operador, sistemas abertos com smartphones que fazem pagamentos e fornecem dados aos operadores para tornarem os serviços mais eficientes, nomeadamente na gestão das frotas.

Na Holanda, um caso apontado por Maria Antónia Saldanha, todos os operadores de transportes sentaram-se à mesa com associações e entidades públicas e acordaram que, a partir de um determinado dia (há três meses), “o sistema de pagamento tradicional, usado em supermercados e farmácias, seria o mesmo a usar para o comboio, elétrico, táxis, em todo o lado”. “É um exemplo ótimo que podemos copiar”, afiançou, insistindo que “temos a tecnologia, temos as soluções, é [preciso] vontade política”.

Paulo Santos, CEO da Ubirider, startup que cria soluções tecnológicas na área da mobilidade, tem detetado vários problemas nos sistemas de transportes. Uma “grande parte dos sistemas é má, porque quem manda no sistema não tem visibilidade sobre os problemas: se há paragens que não são usadas porque não estão abrigadas da chuva, etc.”, exemplificou, explicando que é preciso trazer “informação”, nomeadamente do utilizador, para tentar resolver problemas.

Uma das soluções em que está a trabalhar atualmente, explica Paulo Santos, passa pela criação de uma conta de mobilidade, que deverá substituir modelos de cartões como o Navegante ou Andante. A conta de mobilidade será do utilizador, mas poderá ser usada com diferentes operadores, agregar parques de estacionamento, carregamentos elétricos, entradas em museus, etc.., explicitou.

Em face da complexidade e incerteza económica que se vive atualmente na Europa e nos EUA, a Deloitte criou um grupo de trabalho que junta “cidades, infraestruturas, os grandes fabricantes e o setor de transportes”, ou seja, junta “diferentes visões e interesses e tenta encontrar modelos de negócio que justifiquem investimento nestas áreas”, contextualizou Ricardo Ferrão, partner da Deloitte e responsável do setor dos transportes.

Novas soluções para o carregamento elétrico

Mais do que um fim em si mesmo, a facilitação da mobilidade procura desincentivar o uso do carro individual com vista à neutralidade carbónica. E Lisboa já deu exemplos do que pretende fazer com a restrição dos automóveis em certas ruas. Para tal, a mobilidade elétrica vai ser crítica. E tanto a rede de carregamento como as soluções domésticas terão um papel central.

A administradora executiva da EDP, Vera Pinto Pereira, defendeu uma postura mais robusta do Estado, nesta matéria: “São necessários importantes incentivos à aquisição de veículos elétricos e à construção e instalação de carregadores para que possamos continuar a acelerar uma renovação do parque automóvel adotando veículos elétricos”. A administradora, que falava na conferência 'Rumo a um mundo net zero - Os desafios da transição', referiu que “uma fatia muito importante do carregamento é feita de forma privada, seja em casa, em garagens, ou no trabalho”. E lembrou que a EDP já está presente com uma rede de carregamento, “em mais de metade dos concelhos em Portugal”. “Fora das autoestradas e dos grandes centros urbanos, já temos cerca de 2200 carregadores contratados e, nessa matéria, tudo o que pudermos acelerar em termos de licenciamentos e autorizações para podermos instalar estes carregadores é absolutamente fundamental”.

A administradora revelou ainda que, no início do próximo ano, será lançado um novo produto, o "Smart Energy Charging", que permitirá fazer "o balanceamento de cargas, que já fazemos através dos nossos carregadores, mas também uma gestão eficiente dos horários de carregamento e uma gestão inteligente da ligação com a bateria, o carregamento e a geração solar". "É muito interessante poder usar os excedentes da geração solar para fazer o carregamento dos veículos com otimização da eficiência energética, que é absolutamente fundamental para conseguirmos eletrificar a nossa economia", salientou a administradora.

com Zulay Costa

Carla Aguiar

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