Procura por minerais das novas energias está a sobreaquecer o mercado

2023
11-07-2023

O ritmo alucinante da transição energética está a afetar os preços de algumas matérias-primas, diz a Agência Internacional de Energia em relatório publicado esta terça-feira. Há risco de incumprimento das metas de redução de emissões.

A venda de carros elétricos aumentou 60% em 2022, superando pela primeira vez a barreira de 10 milhões de veículos vendidos em todo o mundo. No ano passado, a capacidade instalada de painéis solares cresceu 35% e deve aumentar mais um terço este ano. O ritmo imparável da transição energética está a afetar o mercado dos minerais em que se baseiam as tecnologias.

Entre 2017 e 2022, a procura de lítio triplicou, a de cobalto aumentou 70% e a de níquel 40%. Isto teve implicações nos preços e no investimento da indústria. As matérias-primas críticas ligadas à transição energética representam já um mercado de 320 mil milhões de dólares, o dobro daquele que existia há cinco anos.

Esta é, no essencial, a conclusão de um relatório publicado hoje pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla inglesa), Critical Minerals Market Review, sobre um aspeto menos conhecido da transição energética: ela dependerá do acesso da indústria a minerais que não são abundantes no planeta e, que, além disso, estão mal distribuídos. O ritmo a que cresce hoje o setor da energia solar, das turbinas eólicas ou dos veículos elétricos vai ditar o preço das matérias-primas e isto terá consequências políticas, ajuda até a perceber algumas notícias.

É a primeira vez que a IEA publica este relatório e divulga uma base de dados sobre minerais críticos no mundo. O problema será garantir uma oferta suficiente e sustentável. Os responsáveis da agência consideram que há riscos para o cumprimento das metas governamentais de redução de emissões de gases com efeito de estufa. Se estes minerais não forem extraídos na quantidade necessária, pode haver aumentos de preços que tornem mais difícil a transição para energias limpas.

Lições políticas
Há implicações geopolíticas nos dados compilados por este relatório. A China tem elevado controlo sobre terras raras, grafite, lítio, cobalto e cobre. A Indonésia domina em 88% a refinação de níquel, a guerra da Ucrânia também atingiu o mercado. Os minerais estratégicos da transição energética não estão distribuídos de forma uniforme no planeta; o facto de se encontrar uma reserva de um destes minerais não significa a exploração automática do recurso, por razões ambientais ou por levar tempo a montar uma indústria de processamento competitiva.

Além disso, o controlo do processo metalúrgico nem sempre significa que o país produtor tem o minério. Um exemplo disto é a China, que refina um terço do cobalto mundial, mas sendo o minério comprado na República Democrática do Congo. O níquel pode ser refinado na Indonésia, mas vem das Filipinas.

A questão do acesso aos minerais críticos está a preocupar os governos e instituições do mundo ocidental. A União Europeia, por exemplo, tem uma iniciativa sobre matérias-primas críticas. A IEA identificou pelo menos 200 políticas em 25 países que visam assegurar os interesses nacionais, sobretudo através da diversificação dos fornecimentos, o que não é fácil de garantir, pois o modelo vigente baseia-se na extração em países fornecedores de matérias-primas, processamento na China e transporte dos produtos refinados para as nações mais ricas.

Alguns países com depósitos naturais, por exemplo Canadá, procuram agora controlar as três fases, enquanto os produtores sem grandes recursos financeiros tentam garantir preços mais justos. O México nacionalizou a sua indústria de lítio, o Chile está a fazer reformas nas concessões de cobre.

Em 2022, a procura de baterias de lítio no setor automóvel aumentou 65% face ao ano anterior, atingindo uma capacidade de 550 GWh (Gigawatts-hora). A China está a assumir um papel de liderança nos automóveis elétricos e a procura de baterias subiu ali 70%. Isto explica a importância do lítio, mas a tecnologia ideal pode mudar depressa. Se a matéria-prima ultrapassar certos custos, torna-se apetecível apostar numa alternativa.

As marcas de automóveis estão a trabalhar em vários tipos de bateria, incluindo uma tecnologia que usa sódio, elemento comum na natureza. As vantagens de preços parecem evidentes, falta demonstrar que estas soluções atingem a autonomia suficiente para tornar o veículo comerciável.

O documento da IEA também aborda outra polémica da indústria mineira, nomeadamente a questão do impacto ambiental e dos problemas sociais. A exploração de recursos em países frágeis está ligada a conflitos, destruição de florestas e violações dos direitos humanos. Algumas companhias esforçam-se por melhorar a sustentabilidade das suas minas, mas os autores do relatório não encontraram indícios de progressos abrangentes e mencionam a ausência de informação por parte das maiores empresas do setor.
Luís Naves

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