Transição nos mares enfrenta desafios complexos

2023
30-11-2023

Combustíveis do futuro, hesitações políticas, lóbis e necessidades enormes de capital. A realidade do transporte marítimo é mais difícil do que se pensa e a transição energética será mais lenta do que em outros setores da mobilidade.

O debate sobre transportes marítimos, na manhã do segundo dia do Portugal Mobi Summit, foi certamente um dos painéis mais movimentados da cimeira, pelo menos até agora. Os oradores tinham todos noção da urgência de descarbonizar o setor, mas houve uma intensa troca de ideias sobre a melhor forma de concretizar a meta ou sobre a gravidade dos obstáculos. O custo da transição, as dúvidas sobre o futuro combustível dos navios, o papel dos portos, estes foram os temas principais da discussão.

Para Jorge Antunes, CEO da Tecnoveritas, empresa que está a desenvolver soluções inovadoras, "o melhor combustível para um navio é aquele que existe na sua área de operação", tal como acontece com um veículo, que não pode circular numa zona onde não haja o combustível que utiliza. O problema, insiste, é que existem muitos lóbis, pois os maiores operadores estão na Ásia, em países onde as leis ambientais não serão as melhores.

"Não há tecnologia, as células de combustível não têm a fiabilidade que o armador quer, não existe hidrogénio disponível em condições para meter a bordo dos navios", disse ainda Jorge Antunes. "Entretanto, a Comissão Europeia decidiu matar o motor diesel. O motor diesel não teve culpa nenhuma, ele é tão poluente consoante a qualidade do combustível que estiver a queimar". Jorge Antunes acredita no hidrogénio para a navegação. "Fechámos um acordo com a Mitsubishi, para converter motores diesel para queimarem também hidrogénio, projeto que está a ser desenvolvido em Lisboa. Enquanto houver hidrogénio, [os navios] queimam hidrogénio; quando acabar o H2, vão a gasóleo". Estes projetos nacionais estão na vanguarda da tecnologia do setor.

"Não existe transporte marítimo gratuito, pois há sempre um combustível envolvido e emissões" de gases com efeito de estufa, disseram por seu turno as irmãs Boer, que dirigem uma empresa que procura criar um ecossistema sustentável em toda a fileira, desde os portos à transição energética. Em relação ao combustível do futuro, as empresárias neerlandesas consideram que deverá existir, por enquanto, uma diversidade de opções, até se concluir a mudança. "Não se pode fazer esta transição de um dia para o outro, é preciso tempo".

O painel contou igualmente com a participação de Carlos Correia, presidente da administração do Porto de Lisboa, que garantiu haver um compromisso de transição digital e descarbonização. "Os portos têm muitas vezes dificuldade em comunicar a sua importância na relação económica com as cidades e regiões onde se inserem". No caso do Porto de Lisboa, há um plano para aproveitar espaços portuários de grande dimensão (em linha reta são mais de 50 quilómetros). "Temos uma área enorme, lidamos com 11 municípios, estamos a planear produzir energia a partir de fontes renováveis".

A própria importância do transporte marítimo não é muito conhecida da opinião pública. Calcula-se que 90% do comércio mundial seja feito usando navios, o que coloca múltiplos problemas de sustentabilidade, desde os combustíveis usados às operações portuárias, mas também nas questões ligadas à reciclagem e às estratégias económicas nacionais. O setor era amigo do ambiente no tempo dos veleiros, mas a economia moderna precisa de eficácia e rapidez.

A globalização implicou um desvio da produção e do comércio para mercados asiáticos. O transporte marítimo é barato a fazer circular produções em massa. Quanto custa trazer um televisor da Ásia? Apenas 10 cêntimos. O problema é que esta conveniência para o consumidor envolve custos ambientais e sociais elevados. "Os custos de produção são colocados no Oriente. Não poluímos aqui, mas poluímos lá", disse Jorge Antunes, da Tecnoveritas. "Necessitamos mesmo de ter este modelo de transporte à escala planetária? Se calhar, não".

Jorge Antunes sublinhou ainda a questão dos apoios europeus, dos lóbis e de leis ambientais que não têm os efeitos desejados. "Os fundos podem matar a iniciativa. Sempre que há excesso de dinheiro, o investidor acomoda-se, à espera que venham os fundos. Portugal tem sofrido deste problema, não há dinheiro, não se faz nada. Fomos uma nação marítima, somos agora um país ribeirinho. Aqui, os navios não páram, nunca desenvolvemos uma indústria".

Este problema não se coloca no norte da Europa, sublinha. No que se refere a apoios europeus, o presidente da Tecnoveritas preferia um modelo de incentivos a bons projetos de demonstração de novas tecnologias. O dinheiro onde "ele é necessário". As irmãs Boer concordaram no essencial com esta opinião, mas sem deixarem de colocar alguma reserva: "Os apoios [estatais] não deviam ser o elemento motor, mas podem ajudar o mercado".

Carlos Correia, administrador do Porto de Lisboa, apresentou uma tese mais institucional. "O Estado tutela os portos e é a entidade que faz o planeamento dos investimentos". Os recursos são escassos e há necessidade de regulamentação. Um exemplo, a transição energética pode ser estimulada por discriminação positiva, através de medidas simples, "navios menos poluentes podem pagar menores taxas portuárias" ou até navios demasiado poluentes não poderem realizar as suas operações em infraestruturas nacionais.

Luís Naves

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