
Vêm aí as estradas inteligentes conectadas com carros e dados

O processo legislativo ultrapassou o seu maior obstáculo. A UE quer desenvolver sistemas de transportes com uso total das possibilidades tecnológicas: sensores, conexão entre veículos e uma montanha de informação em tempo real.
Os governos europeus aprovaram recentemente um acordo que permitirá equipar as estradas da UE com sensores e recolha de dados, além de equipamentos eletrónicos que permitem maior comunicação entre viaturas. O objetivo é reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e melhorar a segurança rodoviária. A legislação sobre Sistemas de Transportes Inteligentes (STI) pretende revolucionar as estradas europeias, criando infraestruturas capazes de utilizar ao máximo as novas tecnologias digitais.
Com estes sistemas, será possível monitorizar o trânsito em tempo real, verificando limites de velocidade, antecipando congestionamentos ou emergências. A estrada poderá funcionar como uma rede de automóveis interligados e, quando o processo legislativo estiver concluído (faltam as aprovações no Conselho Europeu e Parlamento), os Estados-membros da UE podem começar a introduzir estas inovações nas principais vias dos respetivos países. A intenção de Bruxelas é criar uma rede de nível continental, com uma colossal recolha de informação.
Sinalização, navegação, comunicação. Estas são as ideias centrais do projeto, sempre numa lógica de uniformizar as regras da circulação nos 27 Estados da UE. Os condutores são avisados sobre eventuais obstáculos, por exemplo, obras; em caso de acidente, as equipas de emergências são acionadas no próprio instante. Será possível conceber trajetos mais eficientes.
A iniciativa prepara o terreno para inovações ligadas à inteligência artificial, mas tem duas vertentes controversas: em primeiro lugar, surgiram críticas devido ao facto de só serem abrangidas estradas principais, que são as menos perigosas; mais importante, a gestão legal da montanha de dados promete gerar polémica.
Problemas potenciais
Esta era a fase mais complexa do longo processo legislativo, que se iniciou em 2020. A revolução digital nas estradas europeias deverá instalar-se gradualmente ao longo dos próximos cinco anos. Os sistemas de transporte inteligentes entretanto acertados em Conselho da UE (sob presidência sueca) levam em conta o aparecimento de novas tecnologias de informação, sobretudo a melhor conexão entre viaturas e as redes 5G. As aplicações são extensas: por exemplo, em congestionamentos, no acesso a pontes ou tuneis, no controlo dos limites de velocidade.
Alguns especialistas em tecnologia dizem que o conceito de estrada inteligente tem problemas potenciais. A conexão entre carros permite atuação maliciosa de hackers e as consequências são imprevisíveis. Os sistemas podem ser seguros, mas nenhum deles é inacessível a interferências externas. A estrada digital necessitará de redes de telecomunicação 5G, será mais cara e terá enormes quantidades de dados em circulação, o que envolve questões ligadas à proteção da privacidade dos cidadãos.
Enfim, os sistemas inteligentes de transportes têm potencial para melhorar a circulação e segurança dos condutores, mas a sua introdução terá de ser bem planeada e um dos aspetos essenciais é que os sistemas sejam europeus.
A política de mobilidade é uma das preocupações centrais da União Europeia. O setor representa 5% do PIB da UE, emprega dez milhões de pessoas e produz um quarto das emissões de gases com efeito de estufa. Estabelecer um espaço único de transportes facilita a redução do impacto ambiental e terá efeitos na defesa do mercado único.
Bruxelas tenciona mexer em muitas áreas, das linhas ferroviárias de alta velocidade aos aeroportos, passando por novos combustíveis, transportes públicos ou a meta de ter, em apenas sete anos, pelo menos 30 milhões de veículos elétricos em circulação.
A digitalização e modernização do setor será crucial, nomeadamente através dos Sistemas de Transporte Inteligentes. Deverá ser criada uma agência europeia para estabelecer normas técnicas e recolha e tratamento dos dados. A UE quer viagens sem descontinuidades, uniformização de procedimentos (por exemplo, das inspeções de veículos), coordenação das regras de trânsito, resolver a questão da responsabilidade pelos veículos automáticos (quem paga o eventual acidente?) ou como introduzir inteligência artificial nestes sistemas.
A questão mais difícil não estará nas tecnologias, mas nos dados. A transformação digital das estradas europeias exigirá a resolução do dilema sobre o acesso a essa informação e o seu intercâmbio. Haverá um mercado de dados? E os Estados-membros vão partilhar aquilo que recolhem dos seus cidadãos? Isto é igual para todos? Sem estatísticas gerais e informação em tempo real, as ambições não atingem todo o potencial que as tecnologias permitem. No fundo, a última palavra pertence à opinião pública e à soberania dos países: até que ponto desta estrada inteligente aceitam viajar os europeus?
Luís Naves
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