Aumentar tarifas aos carros chineses é uma “decisão contra os interesses dos consumidores europeus”

16-09-2024

Stella Li, vice-presidente executiva da BYD e CEO para as Américas, passou por Portugal, inaugurou o novo concessionário da marca em Lisboa e, em entrevista ao DN, JN e TSF, criticou as novas tarifas da UE sobre os veículos elétricos chineses. Deixou ainda um recado claro às marcas europeias.

A BYD, acrónimo de Build Your Dreams, é a marca líder global em veículos eletrificados - 100% elétricos e PHEV Híbridos Plug-in. Os números são impressionantes. Entre janeiro e julho deste ano, a BYD conquistou uma quota de 22% do mercado global, com mais de 1,9 milhões de veículos vendidos, o dobro da Tesla, a marca que surge em segundo lugar nesta tabela, com 11% do mercado e perto de 950 mil automóveis entregues a clientes.

A CEO que vai tirando o sono a Elon Musk esteve em Lisboa, na inauguração de um novo concessionário da marca. A BYD está presente em 88 países e em mais de 400 cidades, com fábricas na China, Brasil, Tailândia e Uzebequistão, sendo que estão em construção unidades no México, na Turquia e na Hungria.

Esta última localização, dentro da UE, é a chave para evitar as novas tarifas sobre os veículos chineses, que devem entrar em vigor este outono. Stella Li revela que a “fábrica na Europa vai estar operacional a partir do final de 2025”, mas acrescenta que o investimento na Europa não vai ficar por aí. “Vamos passar a produzir carros na Hungria, mas vamos investir mais na Europa, incluindo centros de investigação e desenvolvimento (I&D) e também vamos ter mais concessionários um pouco por toda a Europa”.

Um corte óbvio nos custos, na fatia relacionada com o transporte a partir de outros pontos do globo, mas também uma bela forma de evitar tarifas de importação. Em cima dos 10% que todos os veículos produzidos fora da UE pagam ao entrar na Europa, os construtores chineses enfrentam uma nova vaga de tarifas. Trata-se de novas taxas, desenhadas para proteger uma indústria europeia que acordou tarde para a mobilidade elétrica e que luta para concorrer, em preço, com os veículos chineses. A Comissão Europeia argumenta que o aumento de importações de veículos chineses para a UE está assente numa política de subsídios estatais injusta, que coloca os veículos elétricos chineses em território europeu a preços muito mais baixos do que os concorrentes europeus. Em algumas marcas a nova tarifa pode chegar perto dos 38%, sendo que no caso da BYD é de 17,4%.

Um valor significativo num mercado que vive de margens apertadas. Stella Li fala de uma importante redução de custos, com a futura inauguração da fábrica na Hungria, “sobretudo porque ao produzir aqui vamos evitar tarifas de importação”.

A vice-presidente e CEO para as Américas da BYD, responsável, por exemplo, pela entrada e sucesso da marca no mercado brasileiro, não evita um sorriso aberto ao comentar a decisão da Comissão Europeia. “Não consideramos que seja o caminho certo, porque no fim do dia quem paga é o consumidor. É uma decisão contra os interesses do consumidor europeu.”

Stella Li não concorda com o argumento de que as marcas chinesas têm potencial para “matar as marcas europeias”, afirmando que esse “não é um argumento realista, porque nós investimos muito no futuro e na eletrificação, investimos muito dinheiro em I&D, em tecnologia, e o que estamos a ver é o resultado desse investimento”. Deixa, por isso, um recado simples e claro aos construtores europeus. “As outras marcas, as chamadas marcas tradicionais, têm de apressar o passo, têm também de investir na electrificação e acreditar no futuro.”

Sobretudo uma empresa tecnológica

A BYD investe rios de dinheiro em I&D de baterias. Esse esforço materializou-se na bateria Blade, que recorre à química LFP - usa Lítio Ferro-fosfato como cátodo -, uma tecnologia que garante mais segurança, estabilidade térmica e durabilidade, sendo praticamente livre de cobalto, um elemento cuja mineração tem sérios impactos ambientais, sobretudo em países em desenvolvimento. Outra face desse investimento é o sucesso comercial da BYD enquanto fornecedor de baterias a outros construtores, como a Tesla.

Stella Li acredita numa evolução contínua das baterias, sobretudo na "densidade energética e na performance em temperaturas extremas, “a BYD vai continuar a trabalhar nesse caminho. Para lá da bateria propriamente dita, estamos certos de que é de esperar muito mais inovação no tema do carregamento. Acreditamos ainda que as baterias LFP (fosfato ferro-lítio) são uma solução sustentável e de futuro”.

Uma outra área de I&D com potencial para redesenhar o futuro da mobilidade é a condução autónoma. Stella Li não tem dúvidas de que “será esse o futuro. Nós já temos um grande centro de I&D, mas acabámos de abrir um outro centro de desenvolvimento de software especialmente dedicado à condução autónoma e inteligente. Com toda a concorrência que existe na China, acho que será lá que vamos estrear a condução completamente autónoma, mas mesmo que não usemos toda essa capacidade de condução autónoma, os sistemas de ADAS (Advanced Driver-Assistance Systems) serão cada vez mais avançados”.

A vice-presidente executiva da BYD puxa de dois exemplos, ou dois sistemas bastante práticos, que já equipam o U8 Yangwang, um SUV de grandes dimensões. “O nosso U8 tem um sistema de Vallet Parking muito avançado. Num parque de estacionamento, encontramos um lugar, carregamos num botão e podemos sair do carro que ele estaciona sozinho, mesmo a grande distância. Isso é muito cómodo e quando conduzo outros carros aqui na Europa sinto falta do sistema. E o U8 pode ainda fazer outra coisa ao estacionar, o swing. Estacionar aqui na Europa, em paralelo ao passeio, é uma manobra complicada. Com o U8 colocamos a parte da frente no lugar e depois a traseira desliza para dentro do

lugar. É o tipo de tecnologia que vamos trazer para a Europa brevemente, num futuro muito próximo.”

* Curador do Portugal Mobi Summit

Paulo Tavares

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